Por Tiago Amaral - Versão Revisada
Uma casa velha e abandonada, perdida no meio do mato, cravou-se na minha mente como um prego enferrujado. Meu trabalho de investigador me levou até ela, e algo naquela visão — as tábuas tortas, as janelas quebradas, o silêncio que gritava — ficou me assombrando. Mesmo agora, de volta ao conforto relativo do meu quarto de hotel, a imagem não me largava. A ansiedade me devorava, uma fera faminta que não dava trégua.
Passei horas encarando o relógio na parede, suas agulhas movendo-se com uma lentidão cruel. O caso — assassinatos de bebês, uma crueldade que desafiava qualquer lógica humana — pesava sobre mim como uma maldição. Eu queria respostas, precisava delas, mas tudo o que tinha era um vazio que me sufocava. Quando o telefone tocou, o som cortou a noite como uma faca. Era Helena, minha parceira, a voz dela um fio de luz na escuridão.
— John, você está bem? — perguntou ela, preocupação genuína na voz.
— Estou... — menti, minha mão tremendo tanto que mal consegui segurar o isqueiro para acender um cigarro. — Só não consigo dormir. Esse caso... ele tá me matando.
— Tente descansar, John. Você precisa. — A voz dela era suave, quase um bálsamo. — Foi bom te ouvir. Tenta dormir, tá? Até amanhã.
— Até, Helena — murmurei, desligando o telefone com um peso no peito.
A lua cheia brilhava através da janela, fria e distante, como se zombasse de mim. O quarto, apesar de confortável, parecia uma cela. Minha mente girava, obcecada por aquele lugar maldito onde os crimes aconteciam. A casa abandonada. O quartinho de bebê. O horror que eu sabia que ainda nos esperava.
Na manhã seguinte, a campainha tocou, arrancando-me dos meus pensamentos. Era Helena. Abri a porta, tentando esconder o cansaço que me corroía. O hotel era decente, com carpete limpo e móveis que não rangiam, mas minha cabeça estava em outro lugar — naquela casa, naquele quartinho.
— Pronto, John? — perguntou ela, os olhos castanhos me estudando com uma mistura de preocupação e determinação.
— Quase — respondi, forçando um sorriso. Tinha engolido um café ralo e um pão amanhecido, mas minha mente gritava que não estava pronta. Não para voltar àquele lugar. — Vamos acabar com isso, Helena. Não aguento mais.
Ela assentiu, e partimos. No carro, o silêncio entre nós era pesado, quebrado apenas pelo ronco do motor e pelo farfalhar das árvores ao longo da estrada deserta. Eu sabia que a resposta estava lá, naquela casa esquecida por Deus, onde uma seita sádica sacrificava bebês em nome de algo que eu nem queria entender. Minha raiva crescia a cada quilômetro, misturada com uma confiança cega de que encontraríamos algo — qualquer coisa — que nos levasse às responsáveis.
— Deve ter alguma pista lá — falei, mais para mim mesmo do que para ela. — Nem que seja um fio de cabelo. Um maldito fio de cabelo.
— Calma, John — disse Helena, a voz firme. — Já revistamos tudo, mas vamos encontrar algo. Eu sinto isso.
Chegamos à estrada de terra que cortava a floresta, o céu nublado lançando sombras sobre o caminho. A casa surgiu à nossa frente, um monstro adormecido com tábuas tortas e janelas que pareciam olhos vazios. Estacionei o carro, o coração batendo forte. Peguei minha arma, olhei para Helena e vi a mesma determinação nos olhos dela.
— Vamos — falei, e ela assentiu.
Revistamos o andar térreo, cada canto, cada sombra, mas, como antes, não havia nada. Subimos as escadas rangentes, o cheiro de mofo e podridão nos envolvendo. Os quartos estavam vazios, as paredes marcadas pelo tempo e pelo abandono. Só faltava o quartinho de bebê.
A porta do quarto, meio aberta, estava caindo aos pedaços, comida por cupins. Segurei a arma com a mão direita, a esquerda na maçaneta fria e enferrujada. Helena me cobria, os olhos alertas. Empurrei a porta, e o fedor nos atingiu como um soco — podridão, sangue, morte. E então, um barulho. Passos rápidos, alguém correndo no andar de baixo.
— Deixe comigo! — gritou Helena, já disparando escada abaixo. — Procure aqui!
Fiquei sozinho no quartinho. O zumbido das moscas era ensurdecedor, o ar pesado com o cheiro de sangue fresco. No centro do quarto, um berço velho, coberto de poeira e manchas escuras. Aproximei-me, o coração na garganta, e vi o horror: um bebê, mutilado, as entranhas expostas como uma oferenda macabra. Símbolos demoníacos riscados em sangue seco cobriam as paredes. A bile subiu à minha garganta, mas forcei-me a continuar.
Foi então que a luz do sol, filtrada por uma janela quebrada, revelou algo no chão. Um fio de cabelo loiro, quase invisível entre o entulho. Peguei-o com cuidado, o coração disparado. Era dela — a mulher que Helena perseguia agora.
Saí correndo, gritando:
— Helena!
— Aqui! — respondeu ela, a voz vindo da floresta.
Corri até encontrá-la. Lá, no meio do mato, Helena dominava uma mulher loira, jovem, com o rosto manchado de terra e sangue. A suspeita, Carla, estava imobilizada, o corpo jogado contra o tronco de uma árvore. Helena, com técnicas precisas de krav maga e jiu-jitsu, a havia neutralizado. A arma de Carla, chutada para o mato, foi encontrada minutos depois.
Na delegacia, Carla quebrou. Seu rosto pálido, uma máscara de frieza e arrependimento, entregou tudo. Com a voz tremendo de raiva e culpa, ela confessou:
— Eu não queria... no começo, não queria. Mas elas me convenceram. Falaram que era o único jeito. O pai era um lixo, e eu... eu só queria me livrar dele. Mas depois, virou um sacrifício. Um ritual. — Ela fez uma pausa, os olhos vidrados. — São 66 mulheres. E seis líderes. Eu sei onde elas estão.
Carla nos levou a outra casa, também no meio do nada. A polícia cercou o lugar, um ninho de horrores disfarçado de lar. As seis líderes foram presas, condenadas à morte. As outras 66, cúmplices daquele pesadelo, pegaram prisão perpétua.
Quando tudo acabou, o peso no meu peito finalmente aliviou. Helena e eu tiramos férias — merecíamos. Mas, mesmo na praia, com o sol quente e o mar azul, o quartinho de bebê ainda me visitava nos pesadelos. Algumas coisas, nem o tempo apaga.