sábado, 20 de janeiro de 2018

Hospital: Santa Maria de Helena

















Por Tiago Amaral – Versão Editada

Era escuro. Um escuro que não vinha da noite, mas de dentro da minha própria mente. Um abismo pulsante e denso, como se o hospital diante de mim sugasse cada pensamento são para dentro de suas entranhas silenciosas. Antes mesmo de cruzar o portão, sentia as memórias corroendo o que restava da minha sanidade.
O Hospital Santa Maria de Helena — maldito, eterno — ainda me assombrava como uma cicatriz viva na alma.

Alguns moradores murmuravam sobre uma estranha luz azul que, por vezes, surgia em uma das janelas do prédio abandonado. Quem seria? O que seria? As perguntas se arrastavam pela minha mente como sussurros infectos. E foi assim — curioso como um gato prestes a pisar numa ratoeira — que atravessei o portão.

O mato engolia o caminho de pedra. O prédio, coberto por trepadeiras e rachaduras, parecia ainda mais amaldiçoado do que na época do incêndio. Um incêndio que revelou os horrores perpetrados ali dentro pelo infame Dr. Aurélio Menezes.
Torturas travestidas de tratamento: eletrochoques, perfurações no crânio, confrontos forçados com medos profundos, castigos sádicos que iam além da medicina — mergulhavam na pura crueldade.

Claustrofóbico como sou, recordo com nitidez do terror: trancado em um quarto sem janelas, amordaçado, preso em uma camisa de força. A escuridão era absoluta. O ar, rarefeito. Tapava os ouvidos, mas os gritos dos outros pacientes atravessavam carne e osso como pregos.
Não havia escapatória.
Não havia silêncio.
Apenas loucura.

Só a visão daquele prédio arruinado já me derrubava. Caí de joelhos, a mão espalmada no último degrau da entrada, como se o peso de todas as lembranças me esmagasse ali mesmo.

A natureza tentava, em vão, retomar o que era seu: raízes quebravam o cimento, folhas se enroscavam nas ferragens. Mas o cheiro das cinzas... ainda pairava no ar.
Penetrava pelos pulmões como veneno. Um tumor invisível. Persistente.

Cambaleei. O mundo girava. Até que levantei os olhos para o céu — azul, claro — e o sol me ancorou de volta. Aos poucos, tudo parou de rodar.

Era dia.
O mesmo dia: 10 de agosto de 1902.
Algo me chamava de volta.
Aquele prédio onde fui enterrado vivo durante cinco malditos anos — de 1884 a 1889 — me atraía como um imã de pesadelos.

Fui internado após um suposto surto psicótico. Fui arrancado de casa à força, drogado, contido. Disseram que eu era louco. E sob o efeito constante dos sedativos... comecei a acreditar.

Lembro de uma manhã em especial. No quarto, vi uma andorinha pousar na janela. O sol entrava em feixes dourados. Pela primeira vez em muito tempo, senti... amor.
Como voltar a ser criança.
Falei em voz alta, com o coração desfeito:

— Oh Deus... me tira daqui, Senhor!

Era 26 de junho de 1886.
Depois disso, o tempo se arrastou. Às vezes, me deixavam andar no pátio, dopado, descalço. Sentia a textura da grama. O vento. Uma trégua ilusória entre as sessões de horror.

Então veio a véspera de ano-novo de 1889.
O alarme soou.
O fim estava próximo.

As portas se abriram. Bombeiros. Polícia. Imprensa.
Um incêndio tomava o hospital — e com ele, os pecados antigos eram consumidos pelas chamas.
A imprensa escancarou tudo:
"As Atrocidades do Hospital Santa Maria de Helena".

Trinta e três profissionais foram acusados.
Alguns presos.
Outros, como o Dr. Aurélio Menezes, executados na cadeira elétrica.

E no meio do caos, entre gritos e labaredas, eu vi ela:
uma esfera azul de luz, flutuando serenamente no teto.
Ninguém parecia notá-la — exceto Carla, uma paciente que cruzou meu caminho.
Ela me olhou nos olhos, trêmula, mas convicta:

— Eu vi! Você também viu, não viu? Eu não estou louca!
— Sim... eu vi — respondi. — E se você estiver, então estamos os dois.

Agarrei sua mão e corremos.
Fugimos pelos corredores em chamas.
A luz azul desapareceu.

Do lado de fora, o hospital desabava em cinzas.
A fumaça apagava o passado.

Depois disso, Carla e eu fomos viver perto de um lago.
Paz. Silêncio.
Mas as marcas não se apagaram.
Os pesadelos voltavam.
Aquele hospital ainda me chamava.

Foi por isso que, em 1902, eu voltei.
Guiado pelos sonhos perturbadores.

Subi os escombros.
O corrimão enferrujado cortava meus dedos.
O silêncio parecia me observar.

E então a vi.
A luz azul.
Mas agora... em forma humanoide.
Uma silhueta de pura luz, vibrando.

— Eu estava esperando por você, Sam — disse a criatura.

Fiquei mudo.
Perguntei, com voz quase inaudível:

— Esperando... para quê?

— Para sermos livres. Continue amando, Sam.
A morte não é o fim. Nem o amor. Nunca é.
Até mais...

E então ela desapareceu.
Subiu... para o céu.

Desde aquele dia, nunca mais tive pesadelos.



Nenhum comentário:

Postar um comentário