sexta-feira, 2 de junho de 2017

Ofuscados






















OFUSCADOS

por Tiago Amaral - versão revisada

O silêncio naquela casa tinha peso. Um silêncio tão denso que parecia respirar. Então, sem aviso, uma música clássica ecoou pelas paredes — suave, mas sinistra. E, por um instante, todos juraram ver sangue escorrendo lentamente, serpenteando pelo reboco como se a própria casa sangrasse.

— Estamos ficando loucos? — murmurou alguém.

O casarão estava vazio, amplo, iluminado por lâmpadas que ardiam com uma intensidade quase cruel, como se quisessem queimar a sanidade de quem se aventurasse ali. Nada fora do lugar — tudo meticulosamente arrumado, imaculado demais. As paredes, porém… ah, as paredes. À luz artificial, pareciam pulsar. Rostos e mãos distorcidos surgiam nelas como almas tentando escapar de um inferno silencioso. Bastava um olhar para sentir o peso da tristeza.

De repente, as luzes morreram. Tudo se afogou na escuridão. Um dos garotos tropeçou, soltando um palavrão sufocado.

Eram três. Três idiotas com coragem de sobra e juízo de menos. Haviam invadido a casa porque um deles conhecia os donos — sabia que estavam viajando. Mas agora, cercados pelo breu, não parecia mais uma boa ideia.

Barulhos começaram a vir de todos os cantos: passos apressados, arranhões, um sussurro que não se repetia.

— Que porra é essa? — sussurrou o mais velho, tentando disfarçar o medo.

— Deve ser um gato…

— Eu não vi gato nenhum.

— É… verdade.

As luzes voltaram a piscar, frenéticas, doentias, como se a eletricidade estivesse viva e impaciente.

— Vamos embora. Agora!

Mas a porta principal parecia zombar deles. A maçaneta não girava, como se estivesse presa a correntes invisíveis mais pesadas que o casco de um navio.

O mais novo começou a chorar baixinho. Era um garoto problemático, daqueles que disfarçam o medo com insolência. O segundo só queria chegar em casa. O mais velho tentava manter a calma, mas sua voz já tremia.

Então aconteceu. Todas as portas e janelas se escancararam ao mesmo tempo, com um estrondo seco. A casa parecia se contorcer, gemendo em sua estrutura. Lá fora, algo brilhava — uma luz absurda, impossível de encarar. Ela avançava como se tivesse peso, como se fosse matéria.

E, mesmo com todas as saídas abertas, não conseguiam atravessar. Era como se aquela luz fosse uma parede viva. Uma barreira.

O brilho cresceu, entrando pela casa como uma maré branca. Lâmpadas explodiram, aparelhos ligaram sozinhos: televisão, rádio, tudo gritando ao mesmo tempo em uma cacofonia ensurdecedora.

A luz engoliu cada canto. Eles correram, se separando pelos corredores.

— Cadê você?!
— O que está acontecendo?
— Eu tô com medo!
— Eu também!
— Cadê vocês?!

Então, não havia mais casa. Apenas luz. Branca, intensa, sem forma, sem sombra. Ela respirava. Ela chamava. E, em um único instante, sugou os três para dentro de si.

Depois, só restou o silêncio.






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