Por Tiago Amaral - Versão Revisada
Era uma noite comum de 1974, o céu estrelado, cravejado de estrelas, brilhante como um manto de diamantes sobre a cidadezinha sonolenta. O rádio no quarto do hotel chiava uma canção de David Bowie, "Space Oddity", ecoando no ar úmido do verão. Pedro e Carlos, amigos desde a infância, riam de bobagens — histórias de fantasmas e discos voadores que enchiam os jornais daqueles anos de paranoia pós-Vietnã. Pedro apagou o cigarro no cinzeiro, deu uma palmada no ombro de Carlos e saiu para comprar mais cerveja no bar da esquina. "Volto já", murmurou, trancando a porta atrás de si.
A rua estava quieta, o asfalto ainda quente do dia, com o zumbido distante de um carro passando. Pedro não notou nada de errado. Comprou as latas, flertou um pouco com a atendente, Carla — uma morena de vinte anos, olhos escuros e penetrantes que pareciam ver além do que se dizia —, e voltou, a chave tilintando no bolso.
Ao girar a fechadura, o clique soou normal, mas o ar dentro do quarto estava diferente. Pesado, como se algo tivesse sugado o oxigênio. Pedro chamou pelo amigo, mas o silêncio respondeu como um soco no estômago. Carlos jazia na cama, imóvel, os lençóis amarrotados ao redor dele como um sudário improvisado.
Pedro correu até ele, o coração disparado, e tentou reanimá-lo — sacudindo os ombros, procurando pulso nos pulsos frios. Nada. Nenhum batimento, nenhum sopro de vida. Os olhos de Carlos estavam abertos, brancos como leite derramado, vazios de qualquer centelha. Sua pele, pálida como neve fresca, parecia translúcida sob a luz fraca da lâmpada. Pedro não notou de imediato, mas ao tocar o corpo, sentiu: minúsculos furos, milhares deles, perfurando a carne através das roupas, como se agulhas invisíveis o tivessem crivado. Não havia sangue. Nem uma gota. Como se algo — fios finos, talvez, luminosos e implacáveis — tivesse se infiltrado e drenado tudo: o sangue, a energia vital, a essência que fazia Carlos ser Carlos.
O pavor subiu pela garganta de Pedro como bile. Ele tropeçou para trás, o quarto girando. Como isso era possível? Carlos, que horas antes ria de piadas tolas, agora era uma casca vazia. Pedro ligou para a emergência, depois para a polícia, a voz trêmula ecoando no telefone. Ficou ali, sentado no chão, esperando, o cheiro metálico de medo no ar.
A polícia chegou rápido, sirenes cortando a noite. O detetive John, um homem endurecido pelos anos, com olhos cansados e um bigode grisalho, o interrogou no corredor. "Foi você, garoto? Onde estava quando isso aconteceu?"
— Sou inocente — gaguejou Pedro, as mãos tremendo. — Jamais machucaria Carlos. Ele era como um irmão. Estava no bar, comprando cerveja. Carla, a atendente, pode confirmar.
John assentiu, cético, e foi até o bar. A multidão ali — bêbados locais, um ou dois turistas — murmurava, desconfiada. Carla, com seu olhar marcante, confirmou: "Sim, ele esteve aqui. Comprou cerveja e saiu. Parecia normal." Os outros assentiram, aliviados, mas o ar ainda pesava com o mistério.
De volta ao hotel, John balançou a cabeça. "Eu já sabia. Ninguém daqui poderia ter feito isso. Não é coisa deste mundo, garoto."
A ambulância levou o corpo para o hospital, onde os médicos, homens acostumados a acidentes de carro e overdoses, ficaram horrorizados. "Nunca vi nada assim", murmurou o legista, examinando os furos minúsculos, a ausência de sangue. A família de Carlos chegou correndo: a mãe, os olhos inchados de lágrimas; Márcio, o irmão mais velho, rígido de choque; Luísa, a irmã, chorando baixinho. Eles se reuniram ao redor do corpo, perplexos, o ar do necrotério frio como o toque da morte. A mãe desabou, soluçando, enquanto os irmãos tentavam consolar uns aos outros, lamentando o irmão perdido, o riso que nunca mais ecoaria.
Dias se passaram, um borrão de interrogatórios e espera. A autópsia veio: Carlos morrera de exaustão vital, como se sua energia tivesse sido sugada primeiro, e depois o sangue drenado por canais invisíveis. Nenhum veneno, nenhuma arma. Inexplicável.
A polícia encerrou o caso, rotulando-o como "morte por causas naturais", mas todos sabiam que era mentira. O corpo foi liberado para o velório e cremação, as cinzas espalhadas em um rio que Carlos amava. O tempo seguiu, implacável, transformando o horror em memória. Para os pais de Carlos, era uma dor que latejava no peito; para Márcio e Luísa, uma sombra nos dias comuns. Pedro, que crescera com Carlos em brincadeiras de rua e segredos compartilhados, carregava o peso como uma ferida aberta. Ele revivia a cena todas as noites, os olhos brancos o encarando no escuro.
Cinco dias após a cremação, um noticiário local trouxe um relato estranho: um fazendeiro da zona rural jurava ter visto algo no mato — fios luminosos, cintilantes como veias de luz, dançando no ar antes de subirem aos céus. "Não era fogos de artifício", disse ele, os olhos assustados. "Era vivo. E veio das estrelas."
Ninguém conectou as coisas. Mas Pedro, assistindo à TV sozinho, sentiu um calafrio. O mistério de Carlos permanecia, um eco no vazio do universo, sussurrando que algumas coisas nunca seriam explicadas. E nas noites de estrelas, ele ainda olhava para o céu, imaginando fios descendo, famintos.
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