por Tiago Amaral
(versão revisada)
Ali, no silêncio áspero da noite, o vento rugia como uma fera invisível — e, por vezes, uivava como um lobo faminto, saudando a lua cheia com sua dor ancestral.
Sentado diante de um velho cemitério, sentia algo me puxar para dentro. Não foi uma força física — era mais profundo, como se uma voz esquecida sussurrasse direto em minha alma, guiando-me por entre os túmulos como um filho pródigo retornando à morada final.
Não havia medo em mim. Nenhuma emoção. Apenas um coração que batia por hábito e uma mente embotada pela ausência de sentido.
Ao adentrar aquele lugar esquecido, envolto por sombras e musgo, percebi que pertencia àquele cenário lúgubre. Ali, entre lápides gretadas e estátuas corroídas pelo tempo, algo dentro de mim se aquietava. As poucas luzes espalhadas pelas alamedas de pedra tremeluziam como olhos vigilantes. Atraíam insetos e, com eles, memórias — pedaços soltos de existências que talvez fossem minhas.
Era como se meu espírito estivesse enraizado naquelas terras profanadas. O descanso dos mortos — solitário, frio, eterno — era um espelho da minha própria existência.
E então compreendi: eu era um deles, embora ainda andasse entre os vivos.
Minha alma, pesada e sem cor, alimentava-se da ausência de medo. Uma ausência perturbadora, quase doentia. Eu me perguntava se estava morrendo por dentro ou se já havia morrido e apenas não percebera. A solidão tornara-se minha amante, e minha única companhia era minha própria sombra, que se estendia disforme sob o luar.
A noite caiu como um manto grosso, sufocando o pouco de luz que restava. E ela não veio sozinha — trouxe consigo os sussurros.
Corvos empoleiravam-se nos galhos secos, observando-me com olhos vazios. Um deles pousou em meu braço, sereno, como se reconhecesse em mim algo familiar. Logo alçou voo, retomando seu posto como sentinela daquele reino dos esquecidos.
Caminhei entre as tumbas como quem passeia por um jardim antigo. Nenhum epitáfio me assustava, nenhuma cruz torta me inquietava. O medo... havia sido arrancado de mim como a carne é arrancada do osso.
Algumas sepulturas — velhas, desbotadas pelo tempo — despertavam visões. Lembranças confusas, distantes, talvez de vidas que não eram minhas... ou talvez fossem todas.
Então veio a tontura. Um giro sutil no estômago. E, por um instante, fui tragado para dentro de um lago escuro e sem fundo. Não lutei. Não me debati. Apenas afundei.
Ali compreendi uma verdade esquecida:
Nada é mais necessário a um homem do que ter algo para amar.
E por alguma perversão dos sentidos, eu amava aquele lugar.
A escuridão não me gelava. Ao contrário, aquecia. Era familiar. Acolhedora. Um seio noturno que me embriagava de paz. O cemitério era meu Éden invertido. Um fragmento dos Elísios, coberto de limo e silêncio.
Mas o mais aterrador não era o que me cercava.
Era o que habitava minha mente.
Minha loucura era mais densa que a terra úmida sob os meus pés. E, na solidão do pensamento, minha sanidade estalava como os galhos secos que pisava.
Foi então que a vi.
Uma sepultura distinta, branca como porcelana — imaculada, intocada pelo tempo. Sobre ela, a escultura de um anjo curvado, chorando. Um detalhe me prendeu: o anjo tinha meu rosto.
Atraído por uma força que não compreendia, me aproximei. Sobre a lápide, o retrato de uma jovem — bela, pura, de olhos tão vivos que pareciam me fitar mesmo após a morte. Um amor violento e súbito tomou conta de mim. Não era paixão vulgar — era um reencontro de almas, um vínculo reatado através dos séculos.
Chorei.
Deixei que as lágrimas corressem, como se chorassem por todas as vidas que vivi e perdi. E ali, diante do anjo em prantos, debruçado como eu, compreendi...
Eu a amara em outra vida.
E ela, talvez, esperava por mim.
Naquele instante, o cemitério deixou de ser apenas um lugar. Tornou-se uma memória viva, um santuário sagrado, um portal.
E, pela primeira vez, eu quis ficar.
Para sempre.
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