quinta-feira, 30 de novembro de 2017

A Cidade Lunar

Por Tiago Amaral - Versão Revisada

Num canto esquecido do universo, a bilhões de anos-luz da Terra, o planeta Nunaky girava em silêncio, orbitando uma lua tão prateada que parecia um olho vigilante. Perto dela, erguia-se a Cidade Lunar, um nome que evocava sua proximidade com aquele corpo celeste, mas também algo mais — uma promessa, ou talvez uma ameaça. Vista de longe, a cidade era um caos de arranha-céus que desafiavam o céu, suas torres de metal e vidro reluzindo como lâminas sob a luz artificial. Árvores colossais, de um verde quase sobrenatural, rivalizavam com os prédios, suas copas pulsando como se escondessem segredos vivos, uma luta silenciosa entre o orgânico e o mecânico.

As ruas eram um pandemônio. Veículos flutuantes zumbiam poucos centímetros acima do solo, enquanto outros cortavam o ar entre os edifícios, deixando rastros de luz que se dissipavam como fumaça. Eu acordara cedo, arrancado do sono pelo barulho que batia contra a janela do meu cubículo de apartamento. A síndica — uma androide de olhos piscantes e voz metálica — martelou a porta, recitando regras que eu não quebrara. “Foi o vizinho”, murmurei, exausto, a cabeça ainda ecoando a festa do apartamento ao lado, com seus graves ensurdecedores e androides dançarinas. Passei a madrugada tentando hackear um sistema impenetrável, um quebra-cabeça digital que me deixou com os olhos ardendo e a missão adiada para outra noite.

Saí sem café, mergulhando no caos da Cidade Lunar. Quase fui atropelado por um garoto em uma bicicleta flutuante, que disparou como um raio, entregando jornais holográficos. Ele cruzou uma poça de líquido iridescente — algum resíduo químico que parecia brilhar com vida própria —, salpicando minha calça com gotas que reluziam sob o sol artificial. Praguejei, mas segui, espremido entre robôs de limpeza, mutantes de planetas vizinhos e androides apressados, cujas antenas ou tentáculos roçavam em mim como dedos indesejados.

O barulho era uma sinfonia de loucura: motores rugindo, vendedores gritando ofertas de upgrades neurais, criaturas geneticamente alteradas uivando em tons que desafiavam a sanidade. O céu azul era uma miragem, sufocado por hologramas que prometiam imortalidade ou prazeres impossíveis. Um jovem me parou, brandindo uma máquina de secagem que zumbia como um enxame mecânico. Em segundos, minha calça estava impecável, como se nunca tivesse sido tocada. Sorri, relutante, e continuei, a cidade me arrastando em sua corrente.

Esquecera o café, então parei diante de um vendedor ambulante, sua máquina de bebidas reluzindo como um altar tecnológico. Com um toque, ela despejou um líquido quente e revigorante, que desceu como um bálsamo. Não precisei de garçonetes-robôs ou lanchonetes lotadas — a Cidade Lunar cuidava de tudo, mas a um preço que eu ainda não entendia.

Meu dispositivo de pulso piscou, e contratei um transporte. Um holograma surgiu: uma criatura gelatinosa, roxa, com um charuto cibernético soltando fumaça virtual. “Chego já”, grunhiu. Minutos depois, um veículo flutuante parou à minha frente, um casulo de metal que parecia pulsar com vida própria.

— Isso anda no chão? — perguntei, a voz falhando com o velho medo de altura.

— Aperte os cintos. Vamos decolar! — respondeu a criatura, sua voz borbulhante como um pântano alienígena.

Meu estômago virou. O veículo subiu, os arranha-céus da Cidade Lunar encolhendo até parecerem brinquedos. Lá embaixo, tudo era formigas — pessoas, robôs, caos. Numa janela, vi uma figura trocando de roupa e desviei o olhar, o coração na boca. “Vou morrer aqui”, pensei, agarrado ao assento.

— Para o leste — consegui dizer, a voz tremendo. — Como você sabe.

— Calma, hacker. Chegamos rapidinho — retrucou a gelatina, soprando fumaça que cheirava a circuitos queimados.

Eu estava indo visitar meus pais, no interior de Nunaky, onde o silêncio era um refúgio e a lua brilhava sem a poluição luminosa da cidade. Mas, enquanto o veículo cortava o céu, uma sensação rastejava em mim — como se a Cidade Lunar, com todo o seu brilho, escondesse algo que estava prestes a desmoronar.

O veículo flutuante cortava o céu da Cidade Lunar, os arranha-céus encolhendo até virarem um mosaico de luzes e sombras lá embaixo. Meu coração batia na garganta, o velho medo de altura me sufocando. Numa janela de um prédio, vi uma figura trocando de roupa e desviei o olhar, o rosto quente de vergonha e pavor. “Meu Deus, vou morrer aqui em cima”, pensei, agarrado ao assento, o zumbido do motor ecoando como um aviso.

— Para o leste — murmurei, a voz tremendo. — Como você sabe.

— Calma, hacker. Chegamos rapidinho — respondeu o piloto, uma criatura gelatinosa roxa, sua voz borbulhante como um pântano alienígena. Ele soprava fumaça virtual de um charuto cibernético, o cheiro de circuitos queimados impregnando o ar.

Chegamos ao interior de Nunaky, onde a casa dos meus pais era um refúgio de silêncio contra o caos da Cidade Lunar. Eles me abraçaram, seus sorrisos aquecendo algo dentro de mim que a cidade havia esfriado. — Toma o dinheiro — disse ao piloto, já na porta.

— E o troco? — grunhiu ele.

— Fica com ele — respondi, correndo para o abraço dos meus pais. Passei o dia sob o luar verdadeiro, não o brilho artificial da cidade, com o cheiro de feno no celeiro e memórias de infância pairando como fantasmas gentis.

O tempo, porém, é um ladrão cruel. Após um café da manhã com ovos mexidos e panquecas, como nos velhos tempos, me despedi. Minha mãe, com lágrimas nos olhos, segurou minha mão; meu pai, com um sorriso agridoce, acenou. Peguei meu velho skate flutuante, guardado no celeiro, e voltei para a Cidade Lunar, onde o caos me esperava como um predador faminto.

Cheguei ao apartamento ao amanhecer, mas o descanso durou pouco. Um estrondo ecoou, e a porta explodiu em pedaços. Agentes do governo, com uniformes negros brilhando como óleo, invadiram o quarto. — Precisamos do seu serviço — disseram, seus olhos frios como lâminas de circuitos.

Antes que eu pudesse responder, uma sombra moveu-se na janela. Uma mulher, toda de preto, pairava ali, como se o vidro não existisse. — Precisamos de você. Venha! — Sua voz era um sussurro que cortava o ar, carregada de urgência e algo mais — algo que não era humano.

Contra o governo? Sempre. Corri para a janela, agarrei sua mão, e ela me puxou. O vento uivou enquanto caíamos, a Cidade Lunar girando abaixo como um carrossel de pesadelos. — Vou morrer! — gritei, o coração na boca.

— Confie em mim — disse ela, os olhos brilhando como estrelas distantes.

— Tenho escolha? — retruquei.

Aterrissamos num veículo escuro, onde um homem, também de preto, me encarou. — É você. O escolhido. Precisamos do seu conhecimento.

— Para quê? — perguntei, o pavor misturado com uma curiosidade que queimava.

— Esse planeta está condenado — respondeu ele, a voz grave como um trovão. — Um vírus nasceu, não um código qualquer, mas algo vivo, consciente. Está infectando as máquinas: veículos, androides, sistemas de defesa. Só você pode detê-lo.

Olhei pela janela do veículo. A Cidade Lunar pulsava, mas agora via os sinais: luzes piscando em padrões errados, drones hesitando no ar como pássaros feridos. O vírus era mais que tecnologia — era uma força, uma sombra digital rastejando pelas veias do planeta. Pensei nos meus pais, na casa silenciosa, e um peso esmagou meu peito.

Naquele momento, eu não era mais apenas um hacker, um viciado em cafeína duelando com firewalls na madrugada. Eu era o escolhido, lançado num abismo virtual onde o destino de Nunaky — e talvez do universo — dependia de mim. Mas, enquanto o veículo acelerava rumo ao desconhecido, uma dúvida sussurrava: e se o vírus soubesse que eu estava vindo?


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