quarta-feira, 12 de abril de 2017

Estrada Empoeirada

— Me deixa aqui, descaçando meus ossos, prestes aos encalços da vida — respondeu o velho, penando sob a sombra de uma cabana em ruínas, bem defronte ao bar abandonado. A estrada empoeirada ardia sob o sol escaldante do meio-dia.

— Tenho, juro, e te devolvo logo — disse o andarilho, que vagava sem rumo por aquela imensidão vazia. Palavras que ficariam enterradas ali, no meio do nada.

— Olha o que sobrou do mundo, olha o que restou: o nada — exclamava o velho, a garrafa tremendo na mão.

O andarilho retrucou:

— O que restou foi o nada, o nada. Agora o nosso mundo é o nada. Só nos resta o sol de dia, a lua de noite pra nos guiar, e esta estrada vazia. — Toma, toma um gole. Tem mais lá dentro — disse o velho, estendendo a garrafa.

O andarilho vinha de longe, garganta seca, garrafa vazia, o cão fiel trotando ao lado. Bebeu fundo e falou:

— Andei tanto, tanto… O sol me guiando e me castigando por esta estrada inteira. Quando a noite caía, eu tinha a lua pra olhar, as estrelas pra admirar, e dormia sonhando com uma garrafa igual a essa no dia seguinte.

— Pois é, deu sorte — murmurou o velho. — Me ajuda aqui, só pra eu conseguir levantar.

O andarilho segurou-o pelo braço, ergueu-o do chão.

— Vamos pegar mais algumas garrafas.

— Tá certo — disse o velho, limpando o pó da calça rota. — Ainda acho que tenho muita estrada pela frente, em vez de ficar ali sentado esperando a morte chegar.

— Sem dúvida, meu velho — respondeu o andarilho, sorrindo. — Como dizia meu finado pai: “Ficar sentado esperando a morte chegar é o que tira toda a graça da vida”.

Encheram as mochilas com as garrafas que restavam no balcão do bar, jogaram-nas às costas e seguiram caminho. A tarde já ia morrendo no horizonte, mas os dois caminhavam lado a lado, o cão na frente, jogando conversa fora como se o mundo, afinal, ainda valesse a pena. – Tiago Amaral


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