Por Tiago Amaral - Versão Revisada
Num canto esquecido do universo, a bilhões de anos-luz da
Terra, o planeta Nunaky girava em silêncio, orbitando uma lua tão prateada que
parecia um olho vigilante. Perto dela, erguia-se a Cidade Lunar, um nome que
evocava sua proximidade com aquele corpo celeste, mas também algo mais — uma
promessa, ou talvez uma ameaça. Vista de longe, a cidade era um caos de
arranha-céus que desafiavam o céu, suas torres de metal e vidro reluzindo como
lâminas sob a luz artificial. Árvores colossais, de um verde quase sobrenatural,
rivalizavam com os prédios, suas copas pulsando como se escondessem segredos
vivos, uma luta silenciosa entre o orgânico e o mecânico.
As ruas eram um pandemônio. Veículos flutuantes zumbiam
poucos centímetros acima do solo, enquanto outros cortavam o ar entre os
edifícios, deixando rastros de luz que se dissipavam como fumaça. Eu acordara
cedo, arrancado do sono pelo barulho que batia contra a janela do meu cubículo
de apartamento. A síndica — uma androide de olhos piscantes e voz metálica —
martelou a porta, recitando regras que eu não quebrara. “Foi o vizinho”,
murmurei, exausto, a cabeça ainda ecoando a festa do apartamento ao lado, com
seus graves ensurdecedores e androides dançarinas. Passei a madrugada tentando
hackear um sistema impenetrável, um quebra-cabeça digital que me deixou com os
olhos ardendo e a missão adiada para outra noite.
Saí sem café, mergulhando no caos da Cidade Lunar. Quase
fui atropelado por um garoto em uma bicicleta flutuante, que disparou como um
raio, entregando jornais holográficos. Ele cruzou uma poça de líquido
iridescente — algum resíduo químico que parecia brilhar com vida própria —,
salpicando minha calça com gotas que reluziam sob o sol artificial. Praguejei,
mas segui, espremido entre robôs de limpeza, mutantes de planetas vizinhos e
androides apressados, cujas antenas ou tentáculos roçavam em mim como dedos
indesejados.
O barulho era uma sinfonia de loucura: motores rugindo,
vendedores gritando ofertas de upgrades neurais, criaturas geneticamente
alteradas uivando em tons que desafiavam a sanidade. O céu azul era uma
miragem, sufocado por hologramas que prometiam imortalidade ou prazeres
impossíveis. Um jovem me parou, brandindo uma máquina de secagem que zumbia
como um enxame mecânico. Em segundos, minha calça estava impecável, como se
nunca tivesse sido tocada. Sorri, relutante, e continuei, a cidade me
arrastando em sua corrente.
Esquecera o café, então parei diante de um vendedor
ambulante, sua máquina de bebidas reluzindo como um altar tecnológico. Com um
toque, ela despejou um líquido quente e revigorante, que desceu como um
bálsamo. Não precisei de garçonetes-robôs ou lanchonetes lotadas — a Cidade
Lunar cuidava de tudo, mas a um preço que eu ainda não entendia.
Meu dispositivo de pulso piscou, e contratei um
transporte. Um holograma surgiu: uma criatura gelatinosa, roxa, com um charuto
cibernético soltando fumaça virtual. “Chego já”, grunhiu. Minutos depois, um
veículo flutuante parou à minha frente, um casulo de metal que parecia pulsar
com vida própria.
— Isso anda no chão? — perguntei, a voz falhando com o
velho medo de altura.
— Aperte os cintos. Vamos decolar! — respondeu a
criatura, sua voz borbulhante como um pântano alienígena.
Meu estômago virou. O veículo subiu, os arranha-céus da
Cidade Lunar encolhendo até parecerem brinquedos. Lá embaixo, tudo era formigas
— pessoas, robôs, caos. Numa janela, vi uma figura trocando de roupa e desviei
o olhar, o coração na boca. “Vou morrer aqui”, pensei, agarrado ao assento.
— Para o leste — consegui dizer, a voz tremendo. — Como
você sabe.
— Calma, hacker. Chegamos rapidinho — retrucou a
gelatina, soprando fumaça que cheirava a circuitos queimados.
Eu estava indo visitar meus pais, no interior de Nunaky,
onde o silêncio era um refúgio e a lua brilhava sem a poluição luminosa da
cidade. Mas, enquanto o veículo cortava o céu, uma sensação rastejava em mim —
como se a Cidade Lunar, com todo o seu brilho, escondesse algo que estava
prestes a desmoronar.
O veículo flutuante cortava o
céu da Cidade Lunar, os arranha-céus encolhendo até virarem um mosaico de luzes
e sombras lá embaixo. Meu coração batia na garganta, o velho medo de altura me
sufocando. Numa janela de um prédio, vi uma figura trocando de roupa e desviei
o olhar, o rosto quente de vergonha e pavor. “Meu Deus, vou morrer aqui em
cima”, pensei, agarrado ao assento, o zumbido do motor ecoando como um aviso.
— Para o leste — murmurei, a
voz tremendo. — Como você sabe.
— Calma, hacker. Chegamos
rapidinho — respondeu o piloto, uma criatura gelatinosa roxa, sua voz
borbulhante como um pântano alienígena. Ele soprava fumaça virtual de um
charuto cibernético, o cheiro de circuitos queimados impregnando o ar.
Chegamos ao interior de
Nunaky, onde a casa dos meus pais era um refúgio de silêncio contra o caos da Cidade
Lunar. Eles me abraçaram, seus sorrisos aquecendo algo dentro de mim que a
cidade havia esfriado. — Toma o dinheiro — disse ao piloto, já na porta.
— E o troco? — grunhiu ele.
— Fica com ele — respondi,
correndo para o abraço dos meus pais. Passei o dia sob o luar verdadeiro, não o
brilho artificial da cidade, com o cheiro de feno no celeiro e memórias de
infância pairando como fantasmas gentis.
O tempo, porém, é um ladrão
cruel. Após um café da manhã com ovos mexidos e panquecas, como nos velhos
tempos, me despedi. Minha mãe, com lágrimas nos olhos, segurou minha mão; meu
pai, com um sorriso agridoce, acenou. Peguei meu velho skate flutuante, guardado
no celeiro, e voltei para a Cidade Lunar, onde o caos me esperava como um
predador faminto.
Cheguei ao apartamento ao
amanhecer, mas o descanso durou pouco. Um estrondo ecoou, e a porta explodiu em
pedaços. Agentes do governo, com uniformes negros brilhando como óleo,
invadiram o quarto. — Precisamos do seu serviço — disseram, seus olhos frios como
lâminas de circuitos.
Antes que eu pudesse
responder, uma sombra moveu-se na janela. Uma mulher, toda de preto, pairava
ali, como se o vidro não existisse. — Precisamos de você. Venha! — Sua voz era
um sussurro que cortava o ar, carregada de urgência e algo mais — algo que não
era humano.
Contra o governo? Sempre.
Corri para a janela, agarrei sua mão, e ela me puxou. O vento uivou enquanto
caíamos, a Cidade Lunar girando abaixo como um carrossel de pesadelos. — Vou
morrer! — gritei, o coração na boca.
— Confie em mim — disse ela,
os olhos brilhando como estrelas distantes.
— Tenho escolha? — retruquei.
Aterrissamos num veículo
escuro, onde um homem, também de preto, me encarou. — É você. O escolhido.
Precisamos do seu conhecimento.
— Para quê? — perguntei, o
pavor misturado com uma curiosidade que queimava.
— Esse planeta está condenado
— respondeu ele, a voz grave como um trovão. — Um vírus nasceu, não um código
qualquer, mas algo vivo, consciente. Está infectando as máquinas: veículos,
androides, sistemas de defesa. Só você pode detê-lo.
Olhei pela janela do veículo.
A Cidade Lunar pulsava, mas agora via os sinais: luzes piscando em padrões
errados, drones hesitando no ar como pássaros feridos. O vírus era mais que
tecnologia — era uma força, uma sombra digital rastejando pelas veias do planeta.
Pensei nos meus pais, na casa silenciosa, e um peso esmagou meu peito.
Naquele momento, eu não era
mais apenas um hacker, um viciado em cafeína duelando com firewalls na
madrugada. Eu era o escolhido, lançado num abismo virtual onde o destino de
Nunaky — e talvez do universo — dependia de mim. Mas, enquanto o veículo acelerava
rumo ao desconhecido, uma dúvida sussurrava: e se o vírus soubesse que eu
estava vindo?






















