Por Tiago Amaral - Versão Editada
Johnny encarava o espelho do
banheiro do hotel de beira de estrada como se esperasse que o reflexo lhe desse
respostas. Mas tudo o que via era um homem em frangalhos, com os olhos fundos e
as mãos trêmulas apoiadas na pia suja.
— O que diabos eu vou fazer
agora? — murmurou, a voz rouca, quase engolida pelo zumbido do ventilador
quebrado.
Lá fora, o sol castigava o
asfalto. Era um dia quente, daqueles em que até os pecados parecem suar. Johnny
juntou as mãos em concha, deixou a água escorrer entre os dedos e lavou o
rosto. Quando voltou a encarar o espelho, repetiu como um mantra:
— Droga... droga... por que
isso tinha que acontecer justo comigo?
Saiu do banheiro e voltou à
sala. O lugar exalava abandono. Garrafas vazias, maços de cigarro, embalagens
rasgadas e sua camisa velha jogada sobre a poltrona. A mesa parecia ter
sobrevivido a uma guerra.
Johnny foi até a porta,
esticou os braços e observou o mundo lá fora — gente apressada, carros sujos,
vidas que seguiam sem saber que a dele estava prestes a desmoronar. Acendeu um
cigarro e tragou fundo. Seus olhos claros varriam o horizonte como se procurassem
um sinal.
Sentou-se no sofá, o braço
esquerdo apoiado no encosto, o cigarro entre os dedos. No quarto, Samantha
dormia. O amor da sua vida. Seu suspiro suave chegava até ele, como o ronronar
de uma gata satisfeita. Mas Johnny não estava satisfeito. Estava com um nó na
garganta e um peso no peito que não passava.
Levantou-se de súbito e foi
até o telefone — um modelo antigo, preto, coberto de poeira. Girou a roleta com
pressa e discou o número de Tommy Manson, seu amigo de longa data.
— E aí, Johnny Boy! — atendeu
Tommy, com a voz sempre animada.
— Cara, já falei pra não me
chamar de Johnny Boy. Só Johnny.
— Tá bom, tá bom. Foi só
brincadeira. O que houve?
— Vem pra cá. É sério.
Preciso de você.
— Tô indo. Me espera aí.
Johnny desligou e ficou
encarando o relógio na parede como um falcão observa a presa. Minutos depois,
Samantha acordou.
— Johnny? Cadê você?
Ele foi até a porta do quarto
e a olhou nos olhos.
— Aconteceu uma coisa. Mas
quero que fique fora disso.
— Você sabe que não gosto de
segredos entre nós — disse ela, sentando-se na cama.
— Eu prometo que te conto
depois. Mas agora... agora preciso resolver isso.
Tommy chegou pouco depois,
dirigindo sua velha caminhonete. Usava jeans, sapatos gastos e uma camisa de
flanela xadrez. Johnny o esperava do lado de fora, de óculos escuros e
expressão sombria.
— Que cara é essa? Parece que
viu um fantasma — disse Tommy.
— Vem comigo. Preciso te
mostrar uma coisa.
Os dois entraram na
caminhonete e seguiram até o local onde Johnny havia deixado seu carro.
— Tá vendo isso? Foi o que
encontrei hoje de manhã. Não faço ideia de quem deixou.
Tommy olhou e empalideceu.
— Agora entendi por que você
tá tão tenso. Vamos dar um jeito nisso. Vai ficar tudo bem.
Mas Johnny sabia que não ia.
A pergunta martelava sua cabeça: quem colocou aquilo ali?
— Será que foi o Carlito?
Carlito. O ex de Samantha.
Arqui-inimigo de Johnny. Um canalha de marca maior.
— Pode ser. Faz tempo que não
ouço falar daquele mexicano filho da puta — disse Tommy.
— E se a gente fosse à
polícia?
— Seria o certo — respondeu
Johnny. — Contar tudo aos tiras.
— Pensa bem, cara. A gente
largou essa vida. Pega a Samantha e cai fora. Mas se isso tiver a ver com
Carlito, ele não vai te deixar em paz. E essa maleta... não é dele. Tem alguém
grande por trás disso.
— Já tô marcado. Não tem como
fugir.
Dentro da caminhonete, os
dois decidiram ir atrás de Carlito Del Toro.
Longe dali, Carlito brindava
com seu primo Arturro.
— Um brinde, Arturro! Pelo
fim de Johnny. Aquele desgraçado já era.
Johnny e Tommy foram até
Billy, um fornecedor de armas que não fazia perguntas. Pegaram o que precisavam
e seguiram para a casa de Carlito.
Tommy parou a caminhonete em
frente à casa. Pegou uma metralhadora semiautomática e descarregou o pente
inteiro. A casa virou uma peneira. Raios de sol atravessavam os buracos como
lanças.
Entraram. Carlito não estava
lá.
Johnny olhou em volta, os
olhos ardendo de raiva.
— Devem estar na casa do
primo dele — disse Tommy. — Fica logo ali.
Eles voltaram para a
caminhonete, com sangue nos olhos e vingança no coração.
— Devem estar na casa do
primo dele — disse Tommy, com os olhos semicerrados. — Não fica muito longe.
Johnny assentiu. Entraram na
caminhonete e seguiram em direção à casa de Arturro, o outro paspalho. Os dois
estavam com sangue nos olhos, movidos por uma fúria que não aceitava perdão.
Enquanto isso, em outro canto
da cidade, El Matadoro — o chefão do tráfico local — finalmente percebia que
seu pacote havia sumido. E com ele, um milhão de dólares.
— Quem foi o filho da puta
que roubou meu pacote? — rugiu, esmagando o charuto entre os dentes.
Na casa de Arturro, Johnny e
Tommy chegaram armados. Do lado de fora, gritaram:
— Eu sei que vocês estão aí,
Arturro! E você também, Carlito!
— Viemos acertar as contas
como homens — disse Johnny, firme.
— Mostra a cara, Carlito! —
berrou Tommy. — Chega de se esconder!
Lá dentro, Carlito reconheceu
a voz.
— É aquele americano
desgraçado do Johnny... e o parceiro dele.
Ele e Arturro se jogaram
atrás do sofá. Carlito gritou:
— Arturro, pega as armas!
Arturro tinha três capangas
com ele, imóveis como estátuas. Ele os encarou com desprezo:
— Seus imbecis! Vão ficar aí
parados? Peguem as armas!
Naquele instante, El Matadoro
chegou. Seu carro preto estacionou devagar, como se o próprio inferno tivesse
freado ali. Seis capangas desceram com ele.
Matadoro saiu do veículo com
calma, vestindo terno, chapéu mexicano e uma expressão que faria o diabo
engolir seco. Acendeu um charuto e olhou diretamente para Johnny.
— Fiquei sabendo que você
roubou meu pacote, senhor Johnny.
— Eu não roubei nada —
respondeu Johnny, firme. — Encontrei o pacote no meu carro esta manhã. E junto
dele... havia um corpo no porta-malas.
Matadoro coçou o bigode,
pensativo.
— Que confusão, senhor
Johnny...
— Foi Carlito. Ele armou pra
mim. Nunca superou ter perdido a Samantha.
— Isso mesmo — confirmou
Tommy.
Johnny jogou uma maleta no
chão.
— Tá aqui seu dinheiro. Pode
conferir. Não peguei um centavo.
Matadoro fez sinal para seus
homens. Eles abriram a maleta, contaram o dinheiro. Tudo estava ali.
— É... está tudo aqui mesmo.
Então não tenho mais problema com você, senhor Johnny.
Mas dentro da casa, Carlito
já havia decidido que aquele seria o dia em que tomaria o controle. Ele queria
mais do que vingança. Queria o trono.
— Vamos atirar! — gritou. —
Hoje eu tomo o poder. Isso tudo foi armado pra ferrar com Johnny... mas também
pra acabar com Matadoro.
E foi como se o inferno
tivesse aberto as portas.
Balas começaram a voar de
dentro da casa. El Matadoro foi atingido e caiu atrás do carro, sangrando. Seus
homens revidaram, mas foram abatidos um a um. Johnny e Tommy se jogaram atrás
da caminhonete, tentando sobreviver à chuva de chumbo.
Quando a poeira baixou, todos
os capangas estavam mortos. Os de Matadoro. Os de Arturro. Só restavam Johnny,
Tommy... e os dois primos.
Johnny avistou Carlito e
Arturro dentro da casa. Sacou a arma e atirou. Arturro caiu morto. Carlito,
ferido, rastejou até o corpo do primo.
— Você começou tudo isso,
Carlito — disse Johnny, com a arma ainda em punho.
— Filho da puta... — murmurou
Carlito, antes de morrer.
Tommy se aproximou, ofegante.
— Vamos dar o fora daqui,
Johnny.
— É... vamos sair daqui.
Ao deixarem a casa, viram o
corpo de El Matadoro estendido no chão. Ao lado dele, a maleta com o milhão de
dólares.
— E aí, Johnny? Esse dinheiro
agora não tem dono...
Johnny olhou para a maleta
como se ela fosse amaldiçoada.
— Esse dinheiro é sujo. E
dinheiro sujo sempre vem com alguém atrás. Vou pegar a Samantha e sumir desse
lugar maldito.
— Faz bem — disse Tommy.
E foi assim. Johnny pegou
Samantha, deixou tudo para trás e desapareceu. Como ele mesmo disse: era hora
de dar um tempo daquele lugar maldito.