segunda-feira, 15 de maio de 2017

A Vingança de Johnny

Por Tiago Amaral - Versão Editada

 

Johnny encarava o espelho do banheiro do hotel de beira de estrada como se esperasse que o reflexo lhe desse respostas. Mas tudo o que via era um homem em frangalhos, com os olhos fundos e as mãos trêmulas apoiadas na pia suja.

— O que diabos eu vou fazer agora? — murmurou, a voz rouca, quase engolida pelo zumbido do ventilador quebrado.

Lá fora, o sol castigava o asfalto. Era um dia quente, daqueles em que até os pecados parecem suar. Johnny juntou as mãos em concha, deixou a água escorrer entre os dedos e lavou o rosto. Quando voltou a encarar o espelho, repetiu como um mantra:

— Droga... droga... por que isso tinha que acontecer justo comigo?

Saiu do banheiro e voltou à sala. O lugar exalava abandono. Garrafas vazias, maços de cigarro, embalagens rasgadas e sua camisa velha jogada sobre a poltrona. A mesa parecia ter sobrevivido a uma guerra.

Johnny foi até a porta, esticou os braços e observou o mundo lá fora — gente apressada, carros sujos, vidas que seguiam sem saber que a dele estava prestes a desmoronar. Acendeu um cigarro e tragou fundo. Seus olhos claros varriam o horizonte como se procurassem um sinal.

Sentou-se no sofá, o braço esquerdo apoiado no encosto, o cigarro entre os dedos. No quarto, Samantha dormia. O amor da sua vida. Seu suspiro suave chegava até ele, como o ronronar de uma gata satisfeita. Mas Johnny não estava satisfeito. Estava com um nó na garganta e um peso no peito que não passava.

Levantou-se de súbito e foi até o telefone — um modelo antigo, preto, coberto de poeira. Girou a roleta com pressa e discou o número de Tommy Manson, seu amigo de longa data.

— E aí, Johnny Boy! — atendeu Tommy, com a voz sempre animada.

— Cara, já falei pra não me chamar de Johnny Boy. Só Johnny.

— Tá bom, tá bom. Foi só brincadeira. O que houve?

— Vem pra cá. É sério. Preciso de você.

— Tô indo. Me espera aí.

Johnny desligou e ficou encarando o relógio na parede como um falcão observa a presa. Minutos depois, Samantha acordou.

— Johnny? Cadê você?

Ele foi até a porta do quarto e a olhou nos olhos.

— Aconteceu uma coisa. Mas quero que fique fora disso.

— Você sabe que não gosto de segredos entre nós — disse ela, sentando-se na cama.

— Eu prometo que te conto depois. Mas agora... agora preciso resolver isso.

Tommy chegou pouco depois, dirigindo sua velha caminhonete. Usava jeans, sapatos gastos e uma camisa de flanela xadrez. Johnny o esperava do lado de fora, de óculos escuros e expressão sombria.

— Que cara é essa? Parece que viu um fantasma — disse Tommy.

— Vem comigo. Preciso te mostrar uma coisa.

Os dois entraram na caminhonete e seguiram até o local onde Johnny havia deixado seu carro.

— Tá vendo isso? Foi o que encontrei hoje de manhã. Não faço ideia de quem deixou.

Tommy olhou e empalideceu.

— Agora entendi por que você tá tão tenso. Vamos dar um jeito nisso. Vai ficar tudo bem.

Mas Johnny sabia que não ia. A pergunta martelava sua cabeça: quem colocou aquilo ali?

— Será que foi o Carlito?

Carlito. O ex de Samantha. Arqui-inimigo de Johnny. Um canalha de marca maior.

— Pode ser. Faz tempo que não ouço falar daquele mexicano filho da puta — disse Tommy.

— E se a gente fosse à polícia?

— Seria o certo — respondeu Johnny. — Contar tudo aos tiras.

— Pensa bem, cara. A gente largou essa vida. Pega a Samantha e cai fora. Mas se isso tiver a ver com Carlito, ele não vai te deixar em paz. E essa maleta... não é dele. Tem alguém grande por trás disso.

— Já tô marcado. Não tem como fugir.

Dentro da caminhonete, os dois decidiram ir atrás de Carlito Del Toro.

Longe dali, Carlito brindava com seu primo Arturro.

— Um brinde, Arturro! Pelo fim de Johnny. Aquele desgraçado já era.

Johnny e Tommy foram até Billy, um fornecedor de armas que não fazia perguntas. Pegaram o que precisavam e seguiram para a casa de Carlito.

Tommy parou a caminhonete em frente à casa. Pegou uma metralhadora semiautomática e descarregou o pente inteiro. A casa virou uma peneira. Raios de sol atravessavam os buracos como lanças.

Entraram. Carlito não estava lá.

Johnny olhou em volta, os olhos ardendo de raiva.

— Devem estar na casa do primo dele — disse Tommy. — Fica logo ali.

Eles voltaram para a caminhonete, com sangue nos olhos e vingança no coração.

— Devem estar na casa do primo dele — disse Tommy, com os olhos semicerrados. — Não fica muito longe.

Johnny assentiu. Entraram na caminhonete e seguiram em direção à casa de Arturro, o outro paspalho. Os dois estavam com sangue nos olhos, movidos por uma fúria que não aceitava perdão.

Enquanto isso, em outro canto da cidade, El Matadoro — o chefão do tráfico local — finalmente percebia que seu pacote havia sumido. E com ele, um milhão de dólares.

— Quem foi o filho da puta que roubou meu pacote? — rugiu, esmagando o charuto entre os dentes.

Na casa de Arturro, Johnny e Tommy chegaram armados. Do lado de fora, gritaram:

— Eu sei que vocês estão aí, Arturro! E você também, Carlito!

— Viemos acertar as contas como homens — disse Johnny, firme.

— Mostra a cara, Carlito! — berrou Tommy. — Chega de se esconder!

Lá dentro, Carlito reconheceu a voz.

— É aquele americano desgraçado do Johnny... e o parceiro dele.

Ele e Arturro se jogaram atrás do sofá. Carlito gritou:

— Arturro, pega as armas!

Arturro tinha três capangas com ele, imóveis como estátuas. Ele os encarou com desprezo:

— Seus imbecis! Vão ficar aí parados? Peguem as armas!

Naquele instante, El Matadoro chegou. Seu carro preto estacionou devagar, como se o próprio inferno tivesse freado ali. Seis capangas desceram com ele.

Matadoro saiu do veículo com calma, vestindo terno, chapéu mexicano e uma expressão que faria o diabo engolir seco. Acendeu um charuto e olhou diretamente para Johnny.

— Fiquei sabendo que você roubou meu pacote, senhor Johnny.

— Eu não roubei nada — respondeu Johnny, firme. — Encontrei o pacote no meu carro esta manhã. E junto dele... havia um corpo no porta-malas.

Matadoro coçou o bigode, pensativo.

— Que confusão, senhor Johnny...

— Foi Carlito. Ele armou pra mim. Nunca superou ter perdido a Samantha.

— Isso mesmo — confirmou Tommy.

Johnny jogou uma maleta no chão.

— Tá aqui seu dinheiro. Pode conferir. Não peguei um centavo.

Matadoro fez sinal para seus homens. Eles abriram a maleta, contaram o dinheiro. Tudo estava ali.

— É... está tudo aqui mesmo. Então não tenho mais problema com você, senhor Johnny.

Mas dentro da casa, Carlito já havia decidido que aquele seria o dia em que tomaria o controle. Ele queria mais do que vingança. Queria o trono.

— Vamos atirar! — gritou. — Hoje eu tomo o poder. Isso tudo foi armado pra ferrar com Johnny... mas também pra acabar com Matadoro.

E foi como se o inferno tivesse aberto as portas.

Balas começaram a voar de dentro da casa. El Matadoro foi atingido e caiu atrás do carro, sangrando. Seus homens revidaram, mas foram abatidos um a um. Johnny e Tommy se jogaram atrás da caminhonete, tentando sobreviver à chuva de chumbo.

Quando a poeira baixou, todos os capangas estavam mortos. Os de Matadoro. Os de Arturro. Só restavam Johnny, Tommy... e os dois primos.

Johnny avistou Carlito e Arturro dentro da casa. Sacou a arma e atirou. Arturro caiu morto. Carlito, ferido, rastejou até o corpo do primo.

— Você começou tudo isso, Carlito — disse Johnny, com a arma ainda em punho.

— Filho da puta... — murmurou Carlito, antes de morrer.

Tommy se aproximou, ofegante.

— Vamos dar o fora daqui, Johnny.

— É... vamos sair daqui.

Ao deixarem a casa, viram o corpo de El Matadoro estendido no chão. Ao lado dele, a maleta com o milhão de dólares.

— E aí, Johnny? Esse dinheiro agora não tem dono...

Johnny olhou para a maleta como se ela fosse amaldiçoada.

— Esse dinheiro é sujo. E dinheiro sujo sempre vem com alguém atrás. Vou pegar a Samantha e sumir desse lugar maldito.

— Faz bem — disse Tommy.

E foi assim. Johnny pegou Samantha, deixou tudo para trás e desapareceu. Como ele mesmo disse: era hora de dar um tempo daquele lugar maldito.


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