Por Tiago Amaral – Versão Revisada
O som veio do nada.
Um piano tocava no meio da
mata, entre paisagens vivas e silenciosas. A melodia não parecia real — mas
era. Invadia meus ouvidos, atravessava meu cérebro e tocava, com dedos
invisíveis, a minha alma.
O modo como era tocado...
aquilo só podia vir de um gênio. Ou de algo além da compreensão humana.
Fui atraído por aquela música
como quem segue um chamado divino. Cada nota parecia ressoar dentro de mim,
como se o universo estivesse tentando me dizer algo. Caminhei, guiado por
aquele som, até que a mata se abriu num campo de relvas e montanhas altas. O
céu estava limpo, o sol brilhava com intensidade, e as nuvens pareciam feitas
de algodão. Tudo estava em perfeita harmonia — como se a natureza estivesse em
estado de graça.
Os pássaros cantavam sem
parar, compondo uma orquestra viva. Cada som era distribuído com precisão
sobrenatural. Eu estava em êxtase. E segui a melodia.
A data era 2 de dezembro de
1686. Onze horas da manhã. Um dia ensolarado, perdido no tempo.
A música me arrastava como
uma força invisível. Sempre fui apaixonado pelas artes, mas aquilo... aquilo
não era humano. Era como se um anjo estivesse tocando. Ou algo mais antigo.
Mais profundo.
O tempo passou. O sol subiu.
Meio-dia chegou como um suspiro. E então, ao longe, vi a fonte: uma mansão
isolada, cercada por um jardim exuberante. Flores vivas, cores intensas, mas a
casa... a casa parecia morta. Abandonada. Silenciosa.
Mesmo assim, havia vida ao
redor. Árvores, pássaros, troncos e galhos que pareciam pintados à mão por um
artista divino. Nada ali parecia feito por mortais.
A melodia continuava. E eu,
como um homem apaixonado, fui arrastado até a varanda da casa. Subi os degraus,
e então ouvi uma voz atrás de mim.
— Estava esperando pelo
senhor. Trabalhei para o senhor por muitos anos — disse uma senhora de
aparência serena.
— Como assim? — perguntei,
confuso.
— Numa outra vida — respondeu
ela, com um sorriso triste.
Ela contou que ali vivera um
grande artista com sua musa eterna. Um amor profundo, filhos, uma vida dedicada
à criação e ao afeto. E que, segundo a lenda, ele voltaria àquele lugar para
renovar tudo. Para reencontrar sua amada. Para recomeçar.
— E a senhora viveu essa
vida? — perguntei.
— Sim. Assim como o senhor,
sou um anjo. Fui predestinada a cuidar de você e do seu lar.
Tudo parecia loucura. Mas
fazia sentido. Um sentido que não se explica com lógica, apenas com sentimento.
Olhei pela janela. Vi o velho
piano. E naquele instante, tive um vislumbre da minha vida passada. A mulher
que amei. O amor que me deu força para criar, para viver, para amar tudo.
A senhora me olhou com
ternura.
— Ela é a sua força. Sem ela,
não há arte. Não há vida.
E então compreendi: aquela
música não era apenas uma melodia. Era um chamado. Uma lembrança. Um reencontro
com o que fui — e com o que ainda sou.
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