terça-feira, 22 de setembro de 2020

A Casa












 

Por Tiago Amaral 

Lembro daquela tarde como se estivesse presa em um canto escuro da minha mente, uma cicatriz que nunca fechou. Foi o dia em que perdi meus amigos. Não sei o que realmente aconteceu com eles — e talvez seja melhor assim.

Era 7 de novembro de 2006. O céu de Minnesota estava pesado, meio nublado, com o sol lutando para rasgar as nuvens. Assim que a última campainha da escola soou, decidimos que aquele seria o dia. O dia de conhecer a velha casa abandonada, aquela que sempre nos causou arrepios só de olhar de longe.

Megan estava inquieta, ansiosa como sempre.
Nolan, vamos logo! — ela gritou, montada na bicicleta.

Nos reunimos na rua. Eu, Megan, Kate, Paul, Richard e Nolan — seis adolescentes com mais coragem do que bom senso. A casa ficava a alguns quilômetros dali, e o trajeto, de bicicleta, parecia um cortejo silencioso. Cada pedalada me dava a sensação de que algo nos observava, nos chamava.

Esperamos Nolan em frente à sua casa. Ele trouxe uma mochila com lanternas e alguns equipamentos “para explorar a casa”.
E aí, como estão se sentindo? — perguntou ele, forçando um sorriso.
Com frio na barriga, — respondeu Paul.
Eu estou ansioso, — disse Richard.
Kate apenas cruzou os braços e murmurou:
Estou bem.
Vai dar tudo certo. — Megan completou. Mas o jeito como ela olhou para a casa ao longe me fez sentir o contrário.


A casa estava à nossa frente, imensa e silenciosa, como se respirasse. Escondemos as bicicletas nos arbustos e atravessamos o quintal. As tábuas da varanda estavam úmidas, cheirando a mofo.

Assim que abrimos a porta, o ar frio e pesado nos envolveu. O interior cheirava a poeira, ferrugem e algo azedo — como se algo estivesse morto ali há muito tempo.

Meu Deus, isso é assustador... — disse Megan.

No chão da sala havia um pentagrama mal desenhado, com marcas de cera ao redor. Senti um arrepio que desceu pela minha espinha. Os móveis velhos estavam cobertos de pó. A luz do entardecer entrava pelas frestas, criando formas nas paredes — formas que pareciam se mover quando não olhávamos diretamente.

Eu sentia algo naquela casa. Algo errado.
O que foi isso? — Paul quebrou o silêncio, ao ouvir um rangido no andar de cima.


Subimos as escadas lentamente. Cada degrau estalava como se protestasse contra a nossa presença. Nos quartos, encontramos manequins antigos cobertos por lençóis. Um deles, mesmo coberto, parecia olhar para nós.

De repente, uma porta se abriu sozinha, rangendo. Vidros estalaram. Corremos para ver, mas não havia nada quebrado. A sensação de que estávamos sendo observados aumentava.

Quem vai primeiro? — Richard apontou para o sótão, cuja escada estreita esperava no canto do corredor.

Ele subiu.
Richard, o que você vê? — gritou Megan.
Só algumas caixas velhas e... AAAAAHH!

O grito cortou o ar. Richard caiu da escada, como se algo tivesse o empurrado. Seus olhos estavam arregalados, mas ele jurou que não tinha visto nada — apenas ouviu um barulho perto do seu ouvido.

Foi então que o pior começou.


Voltamos para a sala e percebemos: Richard tinha sumido.
Seus sapatos e celular estavam lá. Não havia sinal dele.

Richard! — Kate gritou, a voz tremendo.
Isso não é brincadeira! — Paul insistiu.

Tentamos abrir a porta principal, mas ela parecia selada por dentro, como se a casa tivesse decidido que ninguém sairia. As janelas estavam travadas, impossíveis de quebrar. Lá fora, a tempestade começava. A noite caiu.

Megan chorava.
Eu não quero morrer aqui.
Paul murmurou algo, quase para si mesmo:
Vamos morrer aqui.

A casa começou a ranger. Cada som parecia vir de um corpo vivo — um coração batendo em tábuas e vigas. Luzes surgiam e sumiam rapidamente, como lampejos de algo não humano.

O nariz de Megan começou a sangrar.
O que está acontecendo comigo?!
Essa casa está mexendo com a gente. — falei, sem conseguir controlar o tremor na voz.

E então tudo desabou. Barulhos horríveis, passos pesados no andar de cima, gritos. Corremos. A casa parecia se retorcer, as paredes vibravam como carne. A escuridão era tão densa que parecia engolir nossas lanternas.

Foi quando senti uma mão empurrando minhas costas. Caí da escada. A última coisa que vi foram sombras se movendo contra a luz fraca, como se me observassem.


Quando acordei, a porta estava aberta.
Lá fora, não havia sinal de tempestade. Tudo estava silencioso.
Mas os meus amigos haviam sumido. Todos.

Restaram apenas as coisas deles espalhadas no chão, como ossos deixados por um predador.
Nunca mais os vi. E até hoje me pergunto se, de alguma forma, a casa os engoliu — ou se eles ainda estão lá, presos em algum lugar entre a vida e a morte.


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