Por Tiago Amaral -Versão Revisada
Apesar do transcorrer
inexorável do tempo e de seus mais de noventa anos de existência, as mãos
trêmulas do velho veterano, inocentes em si mesmas, evocavam incessantemente
aqueles episódios de terror vividos no passado. Ele havia presenciado o pânico
estampado nos rostos, além de ter escutado os estrondos ensurdecedores das
armas, das granadas, dos berros dos alemães e dos companheiros de farda.
Então, ele assistiu aos seus
irmãos de armas tombando como insetos atingidos por veneno, bem diante de seus
olhos inundados de angústia, paralisados pela impotência de nada poder fazer
ante tal carnificina. Recordou-se de rastejar até o corpo inerte de John.
– Quem foi John, vovô? –
indagou o neto, ao escutar o nome mencionado.
– John era meu melhor amigo,
que expirou em meus braços. Foi um dos instantes mais dolorosos de toda a minha
trajetória. Ele murmurou: “Diga aos meus pais que eu os amo” – respondeu o avô,
com a voz embargada.
“A guerra e suas ferramentas
de destruição eram cruéis, ceifando-nos como se fôssemos meras formigas sob o
calcanhar do destino”, confidenciou o avô à criança.
A aflição gravada no
semblante de cada soldado permaneceu indelével em sua mente, entalhada de forma
irremovível, algo que ele jamais conseguiria apagar.
Então, o neto, deitado na
cama, exibiu uma expressão de melancolia ao absorver aquelas palavras e disse
ao avô:
– Que triste, vovô!
Naquele instante, o avô,
também tomado por uma tristeza profunda, replicou ao neto:
– Sim, foi o episódio mais
desolador que presenciei em toda a minha vida.
As recordações da agonia nos
olhares de cada um deles impregnaram sua existência para todo o sempre.
Ele ainda sentia aquele mesmo
tormento refletido em seu próprio rosto, latejando em seu peito como um pulso
acelerado. Mesmo ao perambular pela casa nas sombras da noite, quando lá fora
apenas a lua prateada se destacava no firmamento, esse sobrevivente de batalhas
encontrava alento em sua devotada esposa.
Por vezes, ao erguer os olhos
para o céu, rememorava os traços luminosos dos projéteis riscando o azul, o
horizonte encoberto por um véu de cinzas, dissipando-se em meio às nuvens
densas de fumaça provenientes das explosões.
Enquanto narrava ao neto suas
vivências bélicas, o avô prosseguia, dirigindo-se à criança:
– O ruído era atordoante, e
os uivos dos nazistas, aterrorizantes.
“Eu vi homens sendo
consumidos pelas chamas, queimando vivos até colapsarem no caos do conflito”,
pensou ele, mas reteve essa visão macabra para si mesmo.
O clima naquele dia era
gélido e encoberto, após uma chuvarada; o solo exibia uma tonalidade sombria,
fruto da mescla entre as cinzas e a água pluvial.
– Recordo-me de um episódio
em que tive um nazista na alça de mira de meu fuzil.
– E o que você fez, vovô? –
questionou o neto, curioso.
Naquele momento, o ancião
veterano relatava ao neto como abatia os nazistas à distância. Um deles
posicionava-se em uma torre, armado com um rifle, e o tinha na linha de tiro.
Assim, o veterano prosseguia:
– Eu me abrigava atrás de uma
rocha, e tanto eu quanto ele nos tínhamos mutuamente na mira. Agachado atrás da
pedra, respirei profundamente e apertei o crucifixo que carrego até os dias de
hoje. Estávamos no lado justo da história, éramos os defensores da liberdade.
Então, em um piscar de olhos, ele disparou, e a bala roçou a rocha. Nessa
fração de segundo, beijei o crucifixo, ergui-me o suficiente para tê-lo
novamente na mira e apertei o gatilho. Em seguida, recuperei o fôlego atrás da
proteção antes de avançar com meus camaradas.
O neto demonstrava um misto
de fascínio pela narrativa e fitou o avô, exclamando:
– Incrível, vovô!
“Mas a iminência da morte era
avassaladora”, confidenciou ele ao neto.
Ele se encontrava ali,
obedecendo comandos, distante do lar, apartado de sua família, abandonando sua
pátria para combater e, se necessário, sacrificar-se por ela. Tudo em prol de
honrar seu juramento e empenhar-se para regressar vivo ao aconchego familiar ou
perecer com dignidade, como um autêntico paladino.
– Eram escassos os
interlúdios de tranquilidade; na maior parte do tempo, era como habitar o
próprio abismo infernal, meu neto. Uma experiência atroz. O firmamento
permanecia nublado em grande medida, com uma precipitação constante de cinzas e
fuligem espalhando-se em todas as direções.
Hoje, ele era um ancião
marcado pelas cicatrizes da guerra, mas outrora fora apenas um rapaz, que nos
períodos mais árduos sussurrava para si mesmo:
– Papai, não se entristeça;
mamãe, não derrame lágrimas se eu não retornar, pois farei o impossível para
voltar ao lar.
E assim o fez: empenhou todos
os esforços para retornar e teve a fortuna de sobreviver àquele panorama de
desolação, sofrimento, tormento, clamores, óbitos e pavor. Cumprindo suas metas
e executando operações destinadas a erradicar o nazismo do planeta.
Sentado na cama ao lado do
neto, aquele idoso combatente de outrora não logrou reprimir as lágrimas ao
declarar:
– Vencemos, mas também
sofremos derrotas; perdemos nossos irmãos de trincheira nos campos de batalha e
existências que poderiam ter sido preservadas. Eu fui um dos que emergiram com
vida daquele oceano de cinzas, labaredas, disparos e névoas. Para relatar o que
vivi, e o que se gravou em minha essência e em meu ser, eternamente. Que até os
dias atuais, ao adormecer, ainda sou assombrado por pesadelos, despertando no
breu da madrugada, convencido de que o caos recomeçou. Escutando os estrondos
atordoantes. Os brados de pavor, aflição e agonia no epicentro do tiroteio
cruzado, no coração do conflito. Consegui sobreviver e regressar ao lar, mas
essas reminiscências jamais se dissiparão; as carregarei até o derradeiro
suspiro. Porque o homem não transforma a guerra, mas a guerra o transfigura
para sempre.
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