sábado, 12 de agosto de 2017

Lembrança De Guerra

Por Tiago Amaral -Versão Revisada

Apesar do transcorrer inexorável do tempo e de seus mais de noventa anos de existência, as mãos trêmulas do velho veterano, inocentes em si mesmas, evocavam incessantemente aqueles episódios de terror vividos no passado. Ele havia presenciado o pânico estampado nos rostos, além de ter escutado os estrondos ensurdecedores das armas, das granadas, dos berros dos alemães e dos companheiros de farda.

Então, ele assistiu aos seus irmãos de armas tombando como insetos atingidos por veneno, bem diante de seus olhos inundados de angústia, paralisados pela impotência de nada poder fazer ante tal carnificina. Recordou-se de rastejar até o corpo inerte de John.

– Quem foi John, vovô? – indagou o neto, ao escutar o nome mencionado.

– John era meu melhor amigo, que expirou em meus braços. Foi um dos instantes mais dolorosos de toda a minha trajetória. Ele murmurou: “Diga aos meus pais que eu os amo” – respondeu o avô, com a voz embargada.

“A guerra e suas ferramentas de destruição eram cruéis, ceifando-nos como se fôssemos meras formigas sob o calcanhar do destino”, confidenciou o avô à criança.

A aflição gravada no semblante de cada soldado permaneceu indelével em sua mente, entalhada de forma irremovível, algo que ele jamais conseguiria apagar.

Então, o neto, deitado na cama, exibiu uma expressão de melancolia ao absorver aquelas palavras e disse ao avô:

– Que triste, vovô!

Naquele instante, o avô, também tomado por uma tristeza profunda, replicou ao neto:

– Sim, foi o episódio mais desolador que presenciei em toda a minha vida.

As recordações da agonia nos olhares de cada um deles impregnaram sua existência para todo o sempre.

Ele ainda sentia aquele mesmo tormento refletido em seu próprio rosto, latejando em seu peito como um pulso acelerado. Mesmo ao perambular pela casa nas sombras da noite, quando lá fora apenas a lua prateada se destacava no firmamento, esse sobrevivente de batalhas encontrava alento em sua devotada esposa.

Por vezes, ao erguer os olhos para o céu, rememorava os traços luminosos dos projéteis riscando o azul, o horizonte encoberto por um véu de cinzas, dissipando-se em meio às nuvens densas de fumaça provenientes das explosões.

Enquanto narrava ao neto suas vivências bélicas, o avô prosseguia, dirigindo-se à criança:

– O ruído era atordoante, e os uivos dos nazistas, aterrorizantes.

“Eu vi homens sendo consumidos pelas chamas, queimando vivos até colapsarem no caos do conflito”, pensou ele, mas reteve essa visão macabra para si mesmo.

O clima naquele dia era gélido e encoberto, após uma chuvarada; o solo exibia uma tonalidade sombria, fruto da mescla entre as cinzas e a água pluvial.

– Recordo-me de um episódio em que tive um nazista na alça de mira de meu fuzil.

– E o que você fez, vovô? – questionou o neto, curioso.

Naquele momento, o ancião veterano relatava ao neto como abatia os nazistas à distância. Um deles posicionava-se em uma torre, armado com um rifle, e o tinha na linha de tiro. Assim, o veterano prosseguia:

– Eu me abrigava atrás de uma rocha, e tanto eu quanto ele nos tínhamos mutuamente na mira. Agachado atrás da pedra, respirei profundamente e apertei o crucifixo que carrego até os dias de hoje. Estávamos no lado justo da história, éramos os defensores da liberdade. Então, em um piscar de olhos, ele disparou, e a bala roçou a rocha. Nessa fração de segundo, beijei o crucifixo, ergui-me o suficiente para tê-lo novamente na mira e apertei o gatilho. Em seguida, recuperei o fôlego atrás da proteção antes de avançar com meus camaradas.

O neto demonstrava um misto de fascínio pela narrativa e fitou o avô, exclamando:

– Incrível, vovô!

“Mas a iminência da morte era avassaladora”, confidenciou ele ao neto.

Ele se encontrava ali, obedecendo comandos, distante do lar, apartado de sua família, abandonando sua pátria para combater e, se necessário, sacrificar-se por ela. Tudo em prol de honrar seu juramento e empenhar-se para regressar vivo ao aconchego familiar ou perecer com dignidade, como um autêntico paladino.

– Eram escassos os interlúdios de tranquilidade; na maior parte do tempo, era como habitar o próprio abismo infernal, meu neto. Uma experiência atroz. O firmamento permanecia nublado em grande medida, com uma precipitação constante de cinzas e fuligem espalhando-se em todas as direções.

Hoje, ele era um ancião marcado pelas cicatrizes da guerra, mas outrora fora apenas um rapaz, que nos períodos mais árduos sussurrava para si mesmo:

– Papai, não se entristeça; mamãe, não derrame lágrimas se eu não retornar, pois farei o impossível para voltar ao lar.

E assim o fez: empenhou todos os esforços para retornar e teve a fortuna de sobreviver àquele panorama de desolação, sofrimento, tormento, clamores, óbitos e pavor. Cumprindo suas metas e executando operações destinadas a erradicar o nazismo do planeta.

Sentado na cama ao lado do neto, aquele idoso combatente de outrora não logrou reprimir as lágrimas ao declarar:

– Vencemos, mas também sofremos derrotas; perdemos nossos irmãos de trincheira nos campos de batalha e existências que poderiam ter sido preservadas. Eu fui um dos que emergiram com vida daquele oceano de cinzas, labaredas, disparos e névoas. Para relatar o que vivi, e o que se gravou em minha essência e em meu ser, eternamente. Que até os dias atuais, ao adormecer, ainda sou assombrado por pesadelos, despertando no breu da madrugada, convencido de que o caos recomeçou. Escutando os estrondos atordoantes. Os brados de pavor, aflição e agonia no epicentro do tiroteio cruzado, no coração do conflito. Consegui sobreviver e regressar ao lar, mas essas reminiscências jamais se dissiparão; as carregarei até o derradeiro suspiro. Porque o homem não transforma a guerra, mas a guerra o transfigura para sempre.


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