quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Corpos Claros

Por Tiago Amaral - Versão Revisada

 

O que aconteceu no dia 26 de outubro de 2006 ainda hoje permanece como um fenômeno misterioso — ou talvez um crime jamais solucionado.

A Floresta Estadual de Freetown-Fall River, no sudeste de Massachusetts, é cercada por lendas. Estranhos relatos de atividades paranormais, avistamentos de OVNIs, luzes que surgem no céu e até entre as próprias árvores. Muito antes disso, os nativos americanos a usaram como território sagrado e cemitério. Décadas depois, entre os anos 70 e 80, o local se tornou palco de assassinatos ritualísticos e rumores de práticas satânicas.

Foi essa mistura de medo e fascínio que atraiu um grupo de adolescentes para o coração da floresta. Eram cinco amigos.
Dois deles, irmãos gêmeos: James e Andrius, loiros, de olhos azuis, quase idênticos em cada gesto.
O terceiro era Kevin, negro, apaixonado por basquete, filho de uma família humilde do subúrbio. Mais tarde, sua mãe se lamentaria inconsolável pelo destino do filho, e seu pai jamais aceitaria a ausência de respostas.
As últimas eram as irmãs de ascendência asiática: Maya e Hana, que viviam em uma cidade próxima.

Todos tinham algo em comum: curiosidade.
Munidos de bicicletas e uma câmera para registrar a aventura, acreditavam que encontrariam apenas lendas locais e histórias inventadas para assustar visitantes.

O que ninguém esperava era que aquele dia entraria para os livros não apenas como mistério, mas como um evento que a própria ciência não conseguiu explicar. Médicos, investigadores e a imprensa inteira ficaram perplexos diante do que foi encontrado. O caso foi descrito como um fenômeno fora deste mundo.

Naquela manhã de 26 de outubro, logo após a saída da escola, os cinco seguiram para a floresta. Chegaram já no início da tarde.

Enfim, pessoal, chegamos. – disse Andrius.
Vou ligar a câmera e registrar tudo. – completou Kevin.

Deixaram as bicicletas na beira da estrada e caminharam para dentro. A tarde estava nublada, mas o sol ainda resistia. Cada passo, cada sombra entre as árvores, parecia anunciar que dali em diante não haveria retorno.

A região fazia parte do chamado Triângulo de Bridgewater, uma área de 200 milhas conhecida por relatos de vultos, vozes, criaturas, luzes misteriosas e aparições inexplicáveis.

Vocês notaram alguma coisa? – perguntou Hana.
Por enquanto nada. – respondeu James.

Entre folhas secas, galhos quebrados e troncos caídos, o silêncio pesava.
Kevin resmungou:
Não quero ter que acampar aqui. Esse lugar me dá medo.
Ainda não vimos nada de estranho. Fica calmo. – respondeu Maya.

Foi então que Andrius chamou a atenção:
Pessoal... olhem isso.
Meu Deus, é sangue! – gritou Maya.
Filma isso, Kevin! – pediu Hana.

Sobre uma pedra acinzentada, parcialmente coberta de musgo e grama, havia sangue fresco. O grupo se entreolhou em choque.

Isso ainda está quente... alguém esteve aqui agora. – disse Hana em voz baixa.
Vai registrando tudo. – ordenou James.

Logo depois, encontraram um rastro de pegadas. Eram pequenas, delicadas, mas não infantis. Pareciam femininas.

Dois ou três meses atrás uma jovem desapareceu nesse lugar... – murmurou Andrius.

A floresta parecia viva, arrastando-os cada vez mais para dentro de sua própria escuridão. Pessoas já haviam sumido ali. Algumas jamais voltaram. Outras retornaram semanas depois, vagando pelas estradas, pálidas, frágeis, sem memória de nada. Como se um pedaço delas tivesse ficado preso em outra dimensão.

Naquele 26 de outubro, cinco jovens estavam prestes a descobrir por si mesmos o que se escondia em Freetown-Fall River.

O trânsito caótico e o barulho corrosivo da sociedade eram obstáculos para qualquer tentativa de narrativa, mas para aqueles jovens, nada disso importava. Eles já estavam marcados para o que estava prestes a acontecer — algo que ficou conhecido como “Copos Claros” ou “Corpos Brancos”. O nome veio do estado em que seus corpos foram encontrados, e até hoje esse fenômeno permanece como o primeiro e único desse tipo.

A forma como os cinco jovens foram encontrados chocou todos: polícia, médicos, famílias, a imprensa. Uma dor profunda tomou os pais, junto com a angústia de jamais saberem o que realmente aconteceu na floresta de Freetown-Fall River. Assim, o caso entrou para a lista de eventos sobrenaturais inexplicáveis do Triângulo de Bridgewater.

O sangue na pedra e as pegadas que desapareciam entre árvores e folhas os arrastaram para algo que ultrapassava a compreensão humana — e, principalmente, a deles. A partir daquele instante, não havia mais volta. A curiosidade os levou a cometer a péssima ideia de adentrar a floresta, conhecida mundialmente por suas aparições fantasmagóricas e fenômenos sobrenaturais.

Quando perceberam que estavam perdidos, a tarde já avançava. O desespero tomou conta de cada um, junto com a preocupação de voltarem para casa antes do anoitecer, evitando a noite no interior da floresta, que era tão perturbadora quanto desconfortável.

Cercados por árvores de todos os lados, cada sombra parecia observá-los. O misterioso rastro que seguiam os afastava cada vez mais da saída. Uma leve tontura os atingiu, como se o mundo girasse por alguns instantes — tudo registrado na câmera que Kevin carregava, enquanto buscavam provas de fenômenos sobrenaturais ou apenas confirmavam histórias para assustar visitantes.

Pessoal, já está anoitecendo... – disse Kevin, com voz carregada de preocupação.

O clima se tornava cada vez mais pesado.

Socorro! – gritou uma das garotas, desesperada.
Todos se viram encurralados no centro da floresta. O pânico crescia a cada passo.

Como vamos sair daqui? – perguntou um dos meninos.
Melhor pegarmos as lanternas. Já está escurecendo. – sugeriu Kevin, enquanto continuava registrando tudo.

Quanto mais tentavam escapar, mais retornavam ao mesmo ponto, percebendo horrorizados que caminhavam em círculos. A agonia aumentava.

Eu não quero morrer! Não aqui, não assim! – disse Andrius, tremendo.
Nós não vamos morrer. Se não for agora, será ao amanhecer. – confortou James, segurando a mão do irmão.
Meu Deus... socorro! – gritou novamente uma das garotas.

Foi nesse momento que um vulto cruzou entre as árvores: uma figura escura, aparentemente a de um velho eremita.

Vocês viram aquilo? – perguntou Hana, assustada.
Sim, nós vimos! – responderam em uníssono.
Vamos segui-lo. Pode ser alguém que mora aqui sozinho.
Quem seria louco o suficiente para viver nesse lugar? – questionou um dos garotos.

O vulto conduziu-os até uma velha cabana — a residência do senhor Johnson, um eremita do Triângulo de Bridgewater, que seria encontrado morto apenas dez semanas depois, dado como desaparecido.

O sol já se escondia, e a noite se aproximava. Desesperados, decidiram que teriam que passar a noite na cabana. Planejavam, pela manhã, tentar novamente sair da floresta, mas o que viria não seria fácil: o pesadelo só começava.

Ele desapareceu! – exclamou um dos jovens ao perceber que o vulto havia sumido.
Olha, uma cabana! – apontou outro.

A câmera registrava cada movimento, cada som, cada tentativa desesperada de escapar. Kevin suspirou:
Vamos ter que passar a noite aqui.
Acho que estamos tendo alucinações... – murmurou Hana.

A cabana era velha, empoeirada, coberta de teias de aranha. Pelas janelas embaçadas, quase não se via o lado de fora. Possuía um quarto, cozinha, banheiro, um sótão e um porão. Aquela noite seria um registro de terror puro — o início do desespero que consumiria cada um deles, capturado eternamente na fita que carregavam.

Pessoal, vou vasculhar a cabana – disse Kevin, enquanto percorria cada canto.
Lá fora, o vento uivava forte entre as árvores.
O sótão e o porão estão vazios – anunciou ele, registrando tudo com a câmera.

Ao descer do sótão, uma leve vibração percorreu o chão, como um tremor silencioso.

Meu Deus, o que foi isso? – perguntou Maya, tensa e trêmula.

De repente, um som agudo, quase insuportável, perfurou os ouvidos de todos. Um zumbido estridente que parecia arrancar a própria audição. Sangue parecia borbulhar nos tímpanos, e um formigamento intenso percorreu seus corpos.

Meu Deus, o que é isso? – disse Kevin, tentando ajustar a filmadora.
Lá fora, a luz surgiu de repente, intensa, quase cegante.

Vocês estão bem? – perguntou James, tonto, tentando recuperar o equilíbrio.
Acho que sim... – respondeu Kevin, ainda segurando a câmera com mãos trêmulas.

Um silêncio mortal tomou conta do lugar. Mas algo estranho acontecia dentro da cabana. Algo que mudaria para sempre cada um deles.

Maya, seu cabelo... – disse Hana, horrorizada.
O que há de errado comigo? – perguntou Maya, apavorada.

Eles estavam no centro de um círculo marcado por forças que escapavam à compreensão humana. O erro deles foi simples: estavam no lugar errado, no momento errado. A floresta cobrava seu preço, e os corpos dos jovens começaram a se transformar — clareando, tornando-se translúcidos, como se a vida fosse sugada até a última molécula. Nascia assim o fenômeno conhecido como “Corpos Claros” ou “Corpos Brancos”.

O tempo parecia inexistente. Quando perceberam, já era madrugada, e o fenômeno avançava sem misericórdia.

Hana, seu cabelo também! – exclamou Kevin.
Vocês não estão vendo? Estamos mudando desde que entramos aqui! – disse Andrius, a voz trêmula.
Acho que vamos morrer! – disse James, desesperado.
Eu não quero morrer! – gritou Hana, aterrorizada.

Kevin tentou manter a calma:
Vamos tentar dormir. Talvez a fraqueza passe com o descanso.

Mesmo fracos, exaustos e mudando diante de seus próprios olhos, eles tentaram descansar. Mas às quatro da manhã, a estranha frequência sonora retornou, perfurando novamente seus ouvidos.

Gente, o que é isso? Acho melhor irmos! – disse Andrius, cambaleando.
Kevin, suas mãos! – gritou James.

O horror se revelou: as mãos de Kevin clareavam como neve, enquanto a cor de seu corpo começava a desaparecer. O pânico tomou conta deles, e todos saíram correndo em direção à floresta, tentando escapar do círculo maldito.

Vocês não estão vendo? Isso está acontecendo com todos nós! – gritou Hana.

O sol começava a nascer, mas não havia saída. O círculo os aprisionava, e o fenômeno prosseguia com uma precisão cruel. Andrius foi o primeiro; logo depois, James. Os irmãos desapareceram diante dos olhos de Kevin, suas extremidades se tornando brancas, translúcidas, enquanto a vida se esvaía.

Não podemos fazer nada! Não sabemos o que está acontecendo! – gritou Kevin, enquanto folhas e ventos estranhos dançavam em torno deles.

Maya e Hana seguiram logo depois, caindo ao chão enquanto o mesmo clareamento sobrenatural consumia seus corpos. Kevin, desesperado, gritou:

Corra! Corra, Kevim, vai! – ouviu o último suspiro de Maya.
Hana, me perdoe... – disse ele, enquanto a irmã caía ao chão, já tomada pela clareza sobrenatural.

Kevin continuou correndo, sozinho, com a câmera firmemente presa. Por um momento, parecia que escaparia: a cor de sua pele ainda permanecia normal em parte do corpo. Mas suas pernas falharam perto da saída, e ele tropeçou, lançando a câmera para fora do círculo. Apenas sua mão direita conseguiu sair, recuperando a cor natural da pele. Kevin, infelizmente, já havia sucumbido ao fenômeno dentro do círculo.

Os corpos de Hana, Maya, Andrius, James e Kevin foram encontrados no dia 7 de novembro de 2006. Todos estavam totalmente claros e brancos, exceto a mão direita de Kevin, que permaneceu fora do círculo. Seus órgãos internos haviam desaparecido. A investigação não encontrou qualquer radiação, contágio ou explicação científica para o que aconteceu.

O caso permaneceu sem solução, e a fita filmada por Kevin tornou-se o único registro do fenômeno sobrenatural mais estranho já documentado no Triângulo de Bridgewater, na sinistra floresta de Freetown-Fall River.


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