quinta-feira, 11 de março de 2021

Carta de Jack

Por Tiago Amaral - Versão Revisada 

Acordei num corredor longo e escuro, o ar frio e metálico pesando nos pulmões. À minha frente, uma porta antiga, com entalhes gastos que pareciam de outra era. Não sei como cheguei ali, nem por quanto tempo estive apagado — minha mente era um vazio. Abri a porta com mãos trêmulas e o que vi me fez gelar: um deserto árido, infinito, banhado por um sol pálido. — Tem alguém aí? — gritei, a voz ecoando sem resposta, engolida pela vastidão.

Cascavéis rastejavam entre rochas secas, e urubus planavam no céu sem nuvens. Estava sozinho, perdido no meio do nada, sem direção ou pistas. Minha intuição era a única bússola. Fragmentos de memória começaram a surgir: eu, Jack Johnson, em casa, preparando o café da manhã após um banho quente. O rádio noticiava avistamentos de OVNIs, sinais estranhos pelo mundo. Então, um clarão ofuscante irrompeu pela porta da cozinha, engolindo tudo. Depois, escuridão — até acordar naquele corredor maldito.

Um círculo de vidro na porta deixava passar um feixe de sol, que me arrancara do torpor. Caminhei para fora, a areia quente queimando as solas dos sapatos. Andei por horas, o deserto um mar de silêncio, até avistar um carro enferrujado à beira de uma estrada esquecida. O mundo parecia vazio, como se todos tivessem desaparecido num piscar. Parei num posto de gasolina abandonado, o ar cheirando a óleo velho e poeira. Peguei água e comida, a fome e a sede apertando, mas deixei dinheiro no caixa, um gesto inútil num mundo sem donos.

Dirigi por uma estrada deserta, o vento levantando papéis e roupas abandonadas, como fantasmas de uma vida passada. Não havia sinal de humanidade — apenas o vazio, um feriado eterno sem celebração. Ao chegar em casa, tudo estava intacto: a mesa posta, o rádio mudo, o café frio na cafeteira. Mas uma sensação estranha me dominava, como se séculos tivessem passado, como se a humanidade tivesse sido apagada por uma guerra silenciosa ou por sua própria ruína.

Não posso ficar aqui. O mundo está morto — só animais vagam, e nada funciona sem pessoas. Preciso entender o que aconteceu, encontrar outros sobreviventes, se é que existem. Deixo esta carta na esperança de que alguém a encontre. Se você está lendo, saiba que estou lá fora, procurando respostas.

Ass: Jack Johnson

P.S. Só depois descobri: eu era um dos escolhidos, deixado para recomeçar a Terra de forma mais sábia, mais ligada à natureza. A humanidade, uma praga que se perdeu em concreto e ganância, foi varrida por um controle maior. Mas isso, eu só saberia mais tarde.


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