Por Tiago Amaral (versão editada)
O azul sereno do céu, naquele
dia pacato, deu lugar a um tom acinzentado e profundo. Escureceu de repente,
como se o próprio firmamento estivesse prestes a desabar.
Acima da linha do horizonte,
formavam-se cúmulos-nimbos gigantescos e ameaçadores. O calor do dia foi
engolido por um frio súbito e cortante.
— Mamãe, mamãe, mamãe! —
gritava um pequeno garoto, a voz trêmula de medo.
— Vem, entra rápido, filho! —
respondeu a mãe, acolhendo-o nos braços com urgência. Seus olhos estavam fixos
nas nuvens monstruosas que se aproximavam como uma muralha viva.
— Meu Deus... o que é isso? —
murmurou ela, sem conseguir desviar o olhar daquilo que se erguia diante de
seus olhos.
A tempestade se formava com
fúria. Raios rasgavam o céu, e trovões rugiam — rugiam como feras famintas,
como tigres invisíveis devorando o silêncio.
— Mamãe, olha! As nuvens
estão chegando... estou com medo, mamãe — disse o menino, chamado Tommy.
— Olhe pra mim. Vai ficar
tudo bem, querido — respondeu Keiti, tentando conter o pânico que crescia
dentro dela.
— Vamos esperar seu pai
voltar — disse, mais para si mesma, enquanto pensava: “Sam, onde você está?”
A quilômetros dali, preso no
trânsito, estava Sam. Do interior do carro, ele observava o céu em mutação —
uma pintura sinistra em tons de cinza e carvão.
As nuvens se adensavam,
pesadas como concreto. O ar parecia vibrar com os trovões, e o medo se
espalhava como uma epidemia silenciosa. Pessoas começaram a abandonar seus
veículos, correndo sem rumo.
Sam apertou o volante,
sentindo o pressentimento se transformar em certeza: “Isso não é normal.”
Sem hesitar, saiu do carro e
começou a correr. O pensamento em sua família o guiava como um farol.
Na casa do campo, Tommy
observava o céu pela janela. Seus olhos se arregalaram.
— Mamãe, eu vi uma luz azul!
— disse, surpreso.
— Eu também vi, meu amor —
respondeu Keiti, com a voz embargada. O céu estremeceu como se estivesse sendo
rasgado por dentro.
— Vai ficar tudo bem — disse
ela, tentando manter a calma.
— Ok, mamãe — respondeu
Tommy, embora seus olhos ainda buscassem respostas no céu.
A cidade, antes pacata, agora
parecia à beira do colapso. Luzes misteriosas dançavam entre as nuvens, mas
ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo. A ventania uivava, e os
trovões rugiam com uma força quase sobrenatural.
Sam avistou sua casa ao
longe. Um alívio breve o tomou, seguido por uma preocupação ainda maior.
— Papai! — gritou Tommy,
correndo para os braços do pai.
— Estávamos tão preocupados —
disse Keiti, abraçando Sam com força.
— Cadê a Zoe? — perguntou
ele, aflito.
— Está dormindo — respondeu Keiti,
embora sua voz traísse a inquietação.
— Mamãe! Pai! — gritou Zoe,
de repente.
Os dois subiram correndo até
o quarto da filha.
— Tinha uma luz... uma luz
muito forte no quarto! — disse a garota, ainda assustada.
Uma presença luminosa e
intensa invadira o quarto, despertando Zoe com um susto. Ela mal conseguia
explicar o que vira, mas o medo em seus olhos era real.
Lá fora, o céu continuava a
escurecer, pesado como chumbo. Ainda não chovia, mas tudo indicava que o céu
estava prestes a desabar com violência.
Keiti e Sam reconfortaram a
filha, que ainda tremia.
— Era uma luz... muito
intensa — disse Zoe.
— Não foi um sonho, querida?
— perguntou Sam, tentando racionalizar.
— Não... parecia real, papai
— respondeu ela, com a voz trêmula.
— Vai ficar tudo bem — disse
Sam, embora ele mesmo não acreditasse completamente.
Então, um som estrondoso e
agudo ecoou de dentro da tempestade. Um grito do céu. Um rugido que parecia vir
de algo vivo e colossal.
Vidraças se estilhaçaram em
pleno ar. O pânico tomou conta da cidade. Sam e Keiti abraçaram as crianças,
tentando protegê-las do que quer que estivesse por vir.
O céu, enfim, desabou. Raios
caíam em sequência, como chicotes de luz. A tempestade rugia sem pausa, como se
o mundo estivesse sendo castigado.
A ventania arrancou parte da
colheita de Sam e a lançou contra a casa — milho, folhas, galhos, até pássaros.
Tudo parecia fora de lugar, como se a natureza estivesse sendo reescrita.
Sam e Keiti saíram para
observar a tempestade, agora mais intensa do que nunca.
— Amor... você está vendo
isso? — disse Sam, com a voz engolida pelo vento. — Os raios não param...
simplesmente não param.
Keiti olhou para o céu,
assustada.
— Estou vendo... — murmurou.
— É melhor entrarmos.
— Está forte demais. Vamos
entrar — disse Sam, puxando a esposa de volta para dentro.
As vozes das crianças ecoavam
da casa:
— Papai! Mamãe!
Um som profundo e
ensurdecedor explodiu dentro das nuvens. Tão forte que janelas se quebraram em
casas vizinhas, como se o próprio ar estivesse se despedaçando.
E então, o silêncio foi
quebrado. A tempestade havia apenas começado.
— Precisamos nos proteger.
Vamos! Querida, pegue as crianças e vamos para o porão — disse Sam, com a voz
carregada de urgência.
— Ok, vou buscá-los —
respondeu Keiti, já em movimento.
Do lado de fora, o mundo
parecia ter sido engolido por um inferno elétrico. Raios cortavam o céu com
fúria crescente, e os trovões soavam cada vez mais graves, como tambores de
guerra de um exército invisível. E então, finalmente, a chuva caiu — pesada, violenta,
como se o céu estivesse chorando em desespero.
— Meu Deus... o que é isso? —
murmurou Keiti, ao ver a casa tremer com a força da tempestade.
Sam, Keiti e os filhos
correram para o porão. O vento uivava como uma criatura viva, e o frio úmido da
tarde que se despedia tornava tudo mais sombrio.
— Pai... estou com medo —
disse Zoe, descendo a escada com os olhos arregalados.
— Rápido, crianças! Vamos! —
gritou Sam, esperando que todos chegassem ao térreo.
— Estamos indo, pai! —
respondeu Zoe, puxando o irmão pela mão.
— Vamos nos abrigar no porão
— repetiu Sam, como um mantra de sobrevivência.
Lá fora, o caos se
intensificava. A chuva castigava o solo, os ventos arrancavam telhados e
árvores, e os sons que vinham das nuvens pareciam gritos de algo que não era
humano. Pessoas corriam em desespero, algumas entregando suas mentes à loucura,
incapazes de compreender o que se desenrolava diante delas.
— Isso não vai parar... —
disse Sam, protegendo sua família no porão.
Era como se o fim dos tempos
tivesse chegado. O mundo conhecido se desfazia, e o medo tomava conta das ruas
e das almas. Era o tipo de terror que não se vê — se sente.
— Mamãe, estou com medo! —
gritou Tommy, quando um estrondo colossal sacudiu a casa.
Não era apenas uma
tempestade. Era algo além — algo sobrenatural. A noite caiu como um véu, e
mesmo do porão, era possível ver luzes estranhas invadindo a casa.
A energia elétrica ainda
resistia, mas então, como se obedecesse a um comando invisível, tudo se apagou.
Um silêncio profundo e agonizante tomou conta do ambiente, como se o mundo
tivesse parado de respirar.
— O que é isso agora? —
perguntou Keiti, em voz baixa.
— Isso é estranho... muito
estranho — disse Zoe, a filha adolescente, com os olhos fixos na escuridão.
Tommy abraçou a mãe com
força, buscando refúgio em seu calor.
— Mamãe... estou com medo.
A cidade estava mergulhada na
escuridão. No porão, havia mantimentos, um banheiro, e uma caixa de
ferramentas. Sam procurou por lanternas e distribuiu uma para cada um.
O silêncio era tão denso que
parecia empurrá-los para fora do porão. Sam olhou para Keiti.
— Querida, vou ver se há algo
estranho na casa.
— Vamos com você — disse Keiti,
pronta para acompanhá-lo.
— Não. Fique com as crianças
— respondeu Sam, com firmeza.
— Pai, vamos todos juntos —
disse Zoe.
Sam olhou para cada um deles,
sentindo o peso da responsabilidade. Então cedeu.
— Ok, vocês venceram. Mas
fiquem atrás de mim. E atentos. Está bem?
— Ok — disseram as crianças
em uníssono.
— Está bem — concordou Keiti.
A casa estava mergulhada em
sombras. O silêncio era tão absoluto que parecia antinatural. As lanternas
cortavam a escuridão como pequenas esperanças. Sam, Keiti, Zoe e Tommy
vasculharam cada cômodo, em busca de algo — qualquer coisa — que explicasse o
que estavam vivendo.
Mas não havia nada. Nenhum
sinal de presença. Nenhum fenômeno. Apenas o vazio.
E então, quando pensaram que
havia terminado, a luz voltou. Uma luz intensa, ofuscante, invadiu a casa pela
janela, como se o próprio céu estivesse tentando entrar.
— Pai... essa luz! — gritou
Zoe, enquanto desciam a escada.
A tempestade retornou com
força total, como se quisesse empurrá-los de volta ao porão. Sam, Keiti, Zoe e
Tommy correram, descendo às pressas.
— Vamos! Depressa! — gritou
Sam.
Era pior do que antes. A casa
tremia. Os trovões rugiam como se quisessem romper o chão. A terra parecia
pulsar com um abalo sísmico leve, mas constante. As crianças choravam,
abraçadas aos pais.
— Papai! Mamãe! Estamos com
medo!
— Estamos aqui com vocês —
disseram os pais, tentando acalmá-los.
Keiti abraçou os filhos com
força.
— Vai ficar tudo bem — disse,
olhando nos olhos deles.
— Eu espero, mamãe — disse
Zoe, com a voz trêmula.
— Eu também, mamãe — disse
Tommy, agarrado ao seu braço.
Os estrondos continuavam. Os
rugidos celestes pareciam vir de algo colossal. E então, a luz do lado de fora
se intensificou. Um clarão invadiu a casa, cegando tudo. A luz desceu até o
porão, como uma avalanche silenciosa.
Sam olhou para aquilo,
incrédulo. Keiti abraçava as crianças. Sam os envolveu com os braços. E então,
tudo foi tomado pela luz.
Nada mais podia ser visto.
Durou apenas um segundo.
Quando a luz se dissipou, os
corpos de Sam, Keiti, Zoe e Tommy estavam espalhados pelo milharal. A plantação
estava achatada, como se algo gigantesco tivesse pressionado o solo.
— O que foi isso...? — disse
Sam, ao despertar, sentindo o sangue escorrer de suas narinas.
— Meu nariz está sangrando...
— disse Keiti, tocando o rosto.
— Mãe! — gritou Tommy,
assustado.
— Mãe, o meu também está
sangrando! — disse Zoe, com os olhos arregalados.
— Mas o que foi isso...? —
perguntou Keiti.
— Tem a ver com tudo
aquilo... com o que aconteceu — respondeu Sam, ainda atordoado.
— Que bom que estamos todos
bem — disse ele, com alívio.
Keiti reconfortou Tommy,
depois se levantou e abraçou Sam. Eles se beijaram, e os rostos das crianças se
iluminaram com sorrisos tímidos.
Então, Zoe e Tommy olharam
para o céu.
Partículas azuis e luminosas
desciam lentamente, como neve encantada. Espalhavam-se pelo ar, dançando em
silêncio.
— Pai, mãe... olhem isso. Que
lindo! — disse Zoe, fascinada.
— Eu peguei algumas! — disse
Tommy, encantado.
— É lindo... — murmurou Keiti,
com os olhos refletindo o brilho das partículas.
— Verdade... — disse Sam,
sorrindo.
E ali, entre o milharal
dobrado e o céu ainda carregado, a família permaneceu — hipnotizada pela beleza
inesperada, como se o universo tivesse lhes oferecido um presente após o
terror.
Por um momento, esqueceram
tudo o que havia acontecido.
E talvez fosse melhor assim.