sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A Tempestade

Por Tiago Amaral (versão editada)

 

O azul sereno do céu, naquele dia pacato, deu lugar a um tom acinzentado e profundo. Escureceu de repente, como se o próprio firmamento estivesse prestes a desabar.

Acima da linha do horizonte, formavam-se cúmulos-nimbos gigantescos e ameaçadores. O calor do dia foi engolido por um frio súbito e cortante.

— Mamãe, mamãe, mamãe! — gritava um pequeno garoto, a voz trêmula de medo.

— Vem, entra rápido, filho! — respondeu a mãe, acolhendo-o nos braços com urgência. Seus olhos estavam fixos nas nuvens monstruosas que se aproximavam como uma muralha viva.

— Meu Deus... o que é isso? — murmurou ela, sem conseguir desviar o olhar daquilo que se erguia diante de seus olhos.

A tempestade se formava com fúria. Raios rasgavam o céu, e trovões rugiam — rugiam como feras famintas, como tigres invisíveis devorando o silêncio.

— Mamãe, olha! As nuvens estão chegando... estou com medo, mamãe — disse o menino, chamado Tommy.

— Olhe pra mim. Vai ficar tudo bem, querido — respondeu Keiti, tentando conter o pânico que crescia dentro dela.

— Vamos esperar seu pai voltar — disse, mais para si mesma, enquanto pensava: “Sam, onde você está?”

A quilômetros dali, preso no trânsito, estava Sam. Do interior do carro, ele observava o céu em mutação — uma pintura sinistra em tons de cinza e carvão.

As nuvens se adensavam, pesadas como concreto. O ar parecia vibrar com os trovões, e o medo se espalhava como uma epidemia silenciosa. Pessoas começaram a abandonar seus veículos, correndo sem rumo.

Sam apertou o volante, sentindo o pressentimento se transformar em certeza: “Isso não é normal.”

Sem hesitar, saiu do carro e começou a correr. O pensamento em sua família o guiava como um farol.

Na casa do campo, Tommy observava o céu pela janela. Seus olhos se arregalaram.

— Mamãe, eu vi uma luz azul! — disse, surpreso.

— Eu também vi, meu amor — respondeu Keiti, com a voz embargada. O céu estremeceu como se estivesse sendo rasgado por dentro.

— Vai ficar tudo bem — disse ela, tentando manter a calma.

— Ok, mamãe — respondeu Tommy, embora seus olhos ainda buscassem respostas no céu.

A cidade, antes pacata, agora parecia à beira do colapso. Luzes misteriosas dançavam entre as nuvens, mas ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo. A ventania uivava, e os trovões rugiam com uma força quase sobrenatural.

Sam avistou sua casa ao longe. Um alívio breve o tomou, seguido por uma preocupação ainda maior.

— Papai! — gritou Tommy, correndo para os braços do pai.

— Estávamos tão preocupados — disse Keiti, abraçando Sam com força.

— Cadê a Zoe? — perguntou ele, aflito.

— Está dormindo — respondeu Keiti, embora sua voz traísse a inquietação.

— Mamãe! Pai! — gritou Zoe, de repente.

Os dois subiram correndo até o quarto da filha.

— Tinha uma luz... uma luz muito forte no quarto! — disse a garota, ainda assustada.

Uma presença luminosa e intensa invadira o quarto, despertando Zoe com um susto. Ela mal conseguia explicar o que vira, mas o medo em seus olhos era real.

Lá fora, o céu continuava a escurecer, pesado como chumbo. Ainda não chovia, mas tudo indicava que o céu estava prestes a desabar com violência.

Keiti e Sam reconfortaram a filha, que ainda tremia.

— Era uma luz... muito intensa — disse Zoe.

— Não foi um sonho, querida? — perguntou Sam, tentando racionalizar.

— Não... parecia real, papai — respondeu ela, com a voz trêmula.

— Vai ficar tudo bem — disse Sam, embora ele mesmo não acreditasse completamente.

Então, um som estrondoso e agudo ecoou de dentro da tempestade. Um grito do céu. Um rugido que parecia vir de algo vivo e colossal.

Vidraças se estilhaçaram em pleno ar. O pânico tomou conta da cidade. Sam e Keiti abraçaram as crianças, tentando protegê-las do que quer que estivesse por vir.

O céu, enfim, desabou. Raios caíam em sequência, como chicotes de luz. A tempestade rugia sem pausa, como se o mundo estivesse sendo castigado.

A ventania arrancou parte da colheita de Sam e a lançou contra a casa — milho, folhas, galhos, até pássaros. Tudo parecia fora de lugar, como se a natureza estivesse sendo reescrita.

Sam e Keiti saíram para observar a tempestade, agora mais intensa do que nunca.

— Amor... você está vendo isso? — disse Sam, com a voz engolida pelo vento. — Os raios não param... simplesmente não param.

Keiti olhou para o céu, assustada.

— Estou vendo... — murmurou. — É melhor entrarmos.

— Está forte demais. Vamos entrar — disse Sam, puxando a esposa de volta para dentro.

As vozes das crianças ecoavam da casa:

— Papai! Mamãe!

Um som profundo e ensurdecedor explodiu dentro das nuvens. Tão forte que janelas se quebraram em casas vizinhas, como se o próprio ar estivesse se despedaçando.

E então, o silêncio foi quebrado. A tempestade havia apenas começado.

— Precisamos nos proteger. Vamos! Querida, pegue as crianças e vamos para o porão — disse Sam, com a voz carregada de urgência.

— Ok, vou buscá-los — respondeu Keiti, já em movimento.

Do lado de fora, o mundo parecia ter sido engolido por um inferno elétrico. Raios cortavam o céu com fúria crescente, e os trovões soavam cada vez mais graves, como tambores de guerra de um exército invisível. E então, finalmente, a chuva caiu — pesada, violenta, como se o céu estivesse chorando em desespero.

— Meu Deus... o que é isso? — murmurou Keiti, ao ver a casa tremer com a força da tempestade.

Sam, Keiti e os filhos correram para o porão. O vento uivava como uma criatura viva, e o frio úmido da tarde que se despedia tornava tudo mais sombrio.

— Pai... estou com medo — disse Zoe, descendo a escada com os olhos arregalados.

— Rápido, crianças! Vamos! — gritou Sam, esperando que todos chegassem ao térreo.

— Estamos indo, pai! — respondeu Zoe, puxando o irmão pela mão.

— Vamos nos abrigar no porão — repetiu Sam, como um mantra de sobrevivência.

Lá fora, o caos se intensificava. A chuva castigava o solo, os ventos arrancavam telhados e árvores, e os sons que vinham das nuvens pareciam gritos de algo que não era humano. Pessoas corriam em desespero, algumas entregando suas mentes à loucura, incapazes de compreender o que se desenrolava diante delas.

— Isso não vai parar... — disse Sam, protegendo sua família no porão.

Era como se o fim dos tempos tivesse chegado. O mundo conhecido se desfazia, e o medo tomava conta das ruas e das almas. Era o tipo de terror que não se vê — se sente.

— Mamãe, estou com medo! — gritou Tommy, quando um estrondo colossal sacudiu a casa.

Não era apenas uma tempestade. Era algo além — algo sobrenatural. A noite caiu como um véu, e mesmo do porão, era possível ver luzes estranhas invadindo a casa.

A energia elétrica ainda resistia, mas então, como se obedecesse a um comando invisível, tudo se apagou. Um silêncio profundo e agonizante tomou conta do ambiente, como se o mundo tivesse parado de respirar.

— O que é isso agora? — perguntou Keiti, em voz baixa.

— Isso é estranho... muito estranho — disse Zoe, a filha adolescente, com os olhos fixos na escuridão.

Tommy abraçou a mãe com força, buscando refúgio em seu calor.

— Mamãe... estou com medo.

A cidade estava mergulhada na escuridão. No porão, havia mantimentos, um banheiro, e uma caixa de ferramentas. Sam procurou por lanternas e distribuiu uma para cada um.

O silêncio era tão denso que parecia empurrá-los para fora do porão. Sam olhou para Keiti.

— Querida, vou ver se há algo estranho na casa.

— Vamos com você — disse Keiti, pronta para acompanhá-lo.

— Não. Fique com as crianças — respondeu Sam, com firmeza.

— Pai, vamos todos juntos — disse Zoe.

Sam olhou para cada um deles, sentindo o peso da responsabilidade. Então cedeu.

— Ok, vocês venceram. Mas fiquem atrás de mim. E atentos. Está bem?

— Ok — disseram as crianças em uníssono.

— Está bem — concordou Keiti.

A casa estava mergulhada em sombras. O silêncio era tão absoluto que parecia antinatural. As lanternas cortavam a escuridão como pequenas esperanças. Sam, Keiti, Zoe e Tommy vasculharam cada cômodo, em busca de algo — qualquer coisa — que explicasse o que estavam vivendo.

Mas não havia nada. Nenhum sinal de presença. Nenhum fenômeno. Apenas o vazio.

E então, quando pensaram que havia terminado, a luz voltou. Uma luz intensa, ofuscante, invadiu a casa pela janela, como se o próprio céu estivesse tentando entrar.

— Pai... essa luz! — gritou Zoe, enquanto desciam a escada.

A tempestade retornou com força total, como se quisesse empurrá-los de volta ao porão. Sam, Keiti, Zoe e Tommy correram, descendo às pressas.

— Vamos! Depressa! — gritou Sam.

Era pior do que antes. A casa tremia. Os trovões rugiam como se quisessem romper o chão. A terra parecia pulsar com um abalo sísmico leve, mas constante. As crianças choravam, abraçadas aos pais.

— Papai! Mamãe! Estamos com medo!

— Estamos aqui com vocês — disseram os pais, tentando acalmá-los.

Keiti abraçou os filhos com força.

— Vai ficar tudo bem — disse, olhando nos olhos deles.

— Eu espero, mamãe — disse Zoe, com a voz trêmula.

— Eu também, mamãe — disse Tommy, agarrado ao seu braço.

Os estrondos continuavam. Os rugidos celestes pareciam vir de algo colossal. E então, a luz do lado de fora se intensificou. Um clarão invadiu a casa, cegando tudo. A luz desceu até o porão, como uma avalanche silenciosa.

Sam olhou para aquilo, incrédulo. Keiti abraçava as crianças. Sam os envolveu com os braços. E então, tudo foi tomado pela luz.

Nada mais podia ser visto.

Durou apenas um segundo.

Quando a luz se dissipou, os corpos de Sam, Keiti, Zoe e Tommy estavam espalhados pelo milharal. A plantação estava achatada, como se algo gigantesco tivesse pressionado o solo.

— O que foi isso...? — disse Sam, ao despertar, sentindo o sangue escorrer de suas narinas.

— Meu nariz está sangrando... — disse Keiti, tocando o rosto.

— Mãe! — gritou Tommy, assustado.

— Mãe, o meu também está sangrando! — disse Zoe, com os olhos arregalados.

— Mas o que foi isso...? — perguntou Keiti.

— Tem a ver com tudo aquilo... com o que aconteceu — respondeu Sam, ainda atordoado.

— Que bom que estamos todos bem — disse ele, com alívio.

Keiti reconfortou Tommy, depois se levantou e abraçou Sam. Eles se beijaram, e os rostos das crianças se iluminaram com sorrisos tímidos.

Então, Zoe e Tommy olharam para o céu.

Partículas azuis e luminosas desciam lentamente, como neve encantada. Espalhavam-se pelo ar, dançando em silêncio.

— Pai, mãe... olhem isso. Que lindo! — disse Zoe, fascinada.

— Eu peguei algumas! — disse Tommy, encantado.

— É lindo... — murmurou Keiti, com os olhos refletindo o brilho das partículas.

— Verdade... — disse Sam, sorrindo.

E ali, entre o milharal dobrado e o céu ainda carregado, a família permaneceu — hipnotizada pela beleza inesperada, como se o universo tivesse lhes oferecido um presente após o terror.

Por um momento, esqueceram tudo o que havia acontecido.

E talvez fosse melhor assim.


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