Por Tiago Amaral - Versão Revisada
A missão para explorar M-32 era uma aposta no escuro, uma dança com o desconhecido. Jack, sozinho em sua cápsula de exploração, sentia o vazio do espaço pressionando contra o casco. A nave, um modelo compacto projetado para missões solo, cortava o vácuo em direção ao planeta, uma esfera enevoada que pairava como um segredo no horizonte cósmico. Então, tudo desabou. Um chiado agudo nos sistemas, luzes piscando em vermelho, e a nave girou fora de controle, mergulhando no céu nublado de M-32 como uma pedra atirada contra um lago de chumbo.
“Quando dei por mim, estava
caindo. A nave bateu, e o mundo apagou”, relatou Jack depois, a voz rouca,
ainda preso ao eco do impacto. Ele acordou com a cabeça latejando, o cheiro de
metal queimado e circuitos derretidos impregnado no ar. A nave, agora um
esqueleto retorcido, estava cravada em um vale, cercada por montanhas cobertas
de vegetação alienígena — árvores retorcidas, com folhas que pareciam absorver
a luz em vez de refleti-la. O céu, pesado com nuvens cinzentas, parecia baixo
demais, como se quisesse esmagar o planeta. Cristais negros, afiados como
facas, pontilhavam o solo rochoso, dificultando cada passo.
— Meu Deus, onde estou? —
murmurou Jack, os olhos grudados na janela da nave, que emoldurava um horizonte
de montanhas verdes sob um céu que parecia vivo, pulsando com uma energia
errada. A solidão era mais do que silêncio; era uma presença, um vazio que
rastejava sob a pele. Não havia pássaros, insetos, nem o menor sussurro de vida
animal. Apenas o rugido distante de um mar invisível, vindo de trás das
montanhas, como um lamento preso no tempo.
A chuva caiu, pesada,
martelando o casco com uma fúria que parecia pessoal. Jack permaneceu dentro da
nave, verificando o rádio com dedos trêmulos. — Estão me ouvindo? Sou eu, Jack.
— Jack! — A voz de Anna
crepitou pelo comunicador, um fio de esperança na escuridão. — Você está bem?
— Aterrissei em M-32. Foi
brusco. Estou vivo, mas... Anna, esse lugar é errado. Não há vida aqui. Nada.
Nem um pássaro, nem um inseto. Só plantas... e ruínas. Vou explorar, mas
preciso de resgate.
— Jack, tenha cuidado. Não
sabemos o que há aí.
Quando a chuva cessou, Jack
vestiu o traje espacial, o capacete selado com um clique que ecoou no silêncio.
Saiu da nave, a câmera embutida gravando cada passo. O solo rangia sob suas
botas, os cristais negros refletindo fragmentos do céu nublado como espelhos
quebrados. O som do mar, baixo e constante, vinha de além das montanhas, mas
era o único sinal de movimento. O planeta parecia um túmulo, abandonado, com um
ar de luto que pesava nos ombros de Jack.
Ele avançou até uma cidadela
em ruínas, suas megas-estruturas de pedra negra erguendo-se como ossos de uma
civilização extinta. Templos e torres, cobertos de musgo alienígena, exibiam
entalhes de figuras humanoides com membros longos e olhos grandes, como se
vigiassem algo além da realidade. Inscrições serpenteavam pelas paredes, em um
idioma que desafiava a lógica — curvas e ângulos que doíam os olhos ao tentar
decifrar. Desenhos esculpidos mostravam cenas de catástrofe: céus em chamas,
figuras fugindo para as estrelas.
— Anna, é fascinante... e
aterrorizante — relatou Jack, a voz abafada pelo capacete. — Havia uma
civilização aqui, mais avançada que a nossa. Algo aconteceu. Um cataclisma,
talvez. Uma praga, um vírus... ou algo pior. Eles partiram, mas não sei se por
escolha. As ruínas... elas parecem vivas, Anna. E eu tenho medo de estar
respirando o que os matou.
— Jack, isso é incrível, mas
perigoso — respondeu Anna, a voz tensa. — Saia daí. Não sabemos se há risco de
contaminação.
Jack continuou, movido por
uma mistura de curiosidade e pavor. O planeta parecia sussurrar, cada pedra,
cada cristal, carregando um segredo que ele não queria desvendar, mas não podia
ignorar. Ao se aproximar do som do mar, ele parou. Sobre a linha do horizonte,
sob o céu nublado, viu algo que fez seu estômago revirar: silhuetas escuras,
quase translúcidas, flutuando como espectros. Não eram criaturas, mas entidades
— formas que desafiavam a lógica, como anjos caídos de outra dimensão, pairando
entre o real e o impossível.
A chuva voltou, leve, mas
fria, caindo sobre a areia negra da praia. O mar, escuro como petróleo,
movia-se sem vida, suas ondas quebrando em um ritmo que parecia errado, como um
coração fora de compasso. Jack gravou tudo, a voz tremendo: — Anna, vi algo.
Não sei o que era. Entidades, talvez. Algo sobrenatural. Acho que esse
cataclisma abriu uma fenda... para outro plano, outra dimensão. Esse lugar não
é só um planeta morto. É um portal.
De repente, um peso o
dominou. Ele caiu de joelhos, a visão embaçando. — Filho... Filho! — uma voz
ecoou, não no rádio, mas dentro de sua cabeça. Era sua mãe, morta há anos. E
então, outra voz, mais frágil, mas inconfundível: — Papai... — Era Carolaine, sua
filha, perdida em um acidente que ainda o assombrava. Jack acordou com um
grito, deitado no solo frio, o capacete embaçado pelo próprio hálito. — Anna,
tive um sonho... ou não era um sonho. Vi minha mãe. E Carolaine. Parecia real,
como se eu tivesse cruzado para outro lugar.
— Jack, você está bem? —
perguntou Anna, o pânico contido na voz. — Algum dano no traje? Contaminação?
— Não, estou inteiro. Mas o
que está acontecendo aqui... não explica. Não é só o planeta. É algo maior.
Jack olhou para o céu, agora
mais escuro, trovões rolando como um aviso. Ele sabia: M-32 não era apenas um
planeta deserto. Era um limiar, um lugar onde a realidade se dobrava, onde o
passado e o impossível se encontravam. E ele, um intruso, estava preso no
centro disso tudo.
O planeta M-32 parecia
segurar o fôlego, como se soubesse algo que Jack não sabia. As ruínas da
cidadela, com seus templos e inscrições alienígenas, sussurravam de uma
civilização que fugira às pressas — ou que fora arrancada do próprio mundo.
Jack sentia isso na pele, uma certeza fria de que o cataclisma que devastara o
planeta não era apenas passado, mas uma ameaça viva, pronta para rasgar a
realidade novamente.
O céu, carregado de nuvens
negras, rugia com trovões que ecoavam como lamentos. A chuva caía em véus, fria
e cortante, transformando a areia negra da praia em um espelho escuro. Jack,
parado diante do mar morto, sentia o vazio do planeta como uma faca no peito.
As ondas, sem vida, batiam na costa com um ritmo hipnótico, quase ritualístico.
Foi então que ele as viu novamente: silhuetas escuras, flutuando no horizonte,
como anjos caídos ou espectros de outra dimensão. Algumas estavam mais próximas
agora, pairando a poucos metros, suas formas indistintas tremeluzindo como se
não pertencessem à realidade. Eram entidades, não criaturas — algo que
desafiava a lógica, algo que fazia a mente de Jack gritar para fugir.
Ele precisava descansar.
Encontrou uma caverna na encosta de uma montanha, suas paredes cobertas de
cristais negros que pulsavam com um brilho fraco, como se respirassem. Acendeu
uma fogueira com destroços secos, o fogo lançando sombras que dançavam como as
entidades lá fora. Exausto, Jack adormeceu, o som do mar invadindo seus sonhos.
— Pai! Pai! — uma voz
infantil o arrancou do sono. Era Carolaine, sua filha, perdida em um acidente
anos antes. Ele a viu, tão real, com seus cachos loiros e olhos brilhantes,
correndo pela praia negra. — Estamos te esperando, filho! — gritou outra voz, a
de sua mãe, morta há uma década. — Te amamos! — As figuras se dissolveram na
escuridão, e Jack acordou gritando, deitado na areia fria, a fogueira reduzida
a cinzas. O céu nublado parecia mais pesado, como se o próprio planeta
estivesse se fechando sobre ele.
— Anna, tive um sonho... ou
não era um sonho — relatou ele pelo rádio, a voz tremendo. — Vi Carolaine. E
minha mãe. Parecia real, Anna, como se eu tivesse cruzado para outro lugar. Um
outro plano.
— Jack, você está bem? —
perguntou Anna, o pavor mal disfarçado. — Algum dano no traje? Contaminação?
— Não, estou inteiro. Mas
esse lugar... não é só um planeta morto. É um portal. Algo abriu fendas aqui,
Anna. Fendas para outros mundos.
O céu escureceu ainda mais,
trovões rolando como um tambor de guerra. Jack olhou para cima e viu algo nas
nuvens — não uma forma, mas um vazio, uma sombra que se movia contra a lógica,
como se o próprio céu estivesse rachando. — Vi algo nas nuvens, Anna. Não sei o
que era, mas era... errado.
— Saia daí, Jack. Agora —
ordenou ela.
— Estou indo. Vou levar
amostras do que encontrei. Enviando sinal de resgate agora.
Jack correu em direção à
nave, a chuva caindo em torrentes, o solo escorregadio sob suas botas. Cada
passo era uma luta contra o peso do planeta, como se M-32 quisesse segurá-lo.
Ele gravava mensagens, a voz entrecortada: “Esse lugar é mais do que parece,
Anna. Não são só sonhos. Eu ouço vozes, ruídos... vejo silhuetas flutuando,
como fantasmas. Sinto Carolaine e minha mãe, como se estivessem aqui. E se eu
não sair agora, acho que vou ficar preso... para sempre.”
Um som ensurdecedor cortou o
ar, um lamento que não era humano, seguido por um brilho que piscou e se apagou
no horizonte. Jack parou, o coração na garganta. O cataclisma que devastara
M-32 não era apenas uma memória — era uma força viva, abrindo fendas para
mundos além da compreensão, talvez até o mundo dos espíritos. Ele sentiu isso,
uma certeza fria: aquelas entidades, aquelas silhuetas, não eram apenas
resquícios. Eram guardiãs, ou predadoras, de algo muito maior.
Chegando à nave, Jack quase
caiu de alívio. “Consegui, Anna. Estou na nave. Enviando o sinal.” Ele acionou
os controles, o painel piscando com vida relutante.
— Jack, está me ouvindo? — A
voz de Anna crepitou, um farol na escuridão.
— Estou aqui, Anna.
— A nave de resgate está a
caminho. Aguente firme.
Jack olhou pela janela uma
última vez. O céu de M-32 trovejava, as entidades pairando na distância, como
se o observassem. Ele voltou para casa, mas não ileso. O que viu, o que sentiu,
ficou com ele — as vozes de Carolaine e sua mãe, o peso do planeta, o vazio que
não explicava. E, de algum modo, M-32 o aproximou de Anna, como se o universo,
em sua crueldade, tivesse dado a eles uma segunda chance após a perda de
Carolaine. Mas, nas noites seguintes, Jack ainda olhava para as estrelas,
perguntando-se se aquelas fendas se abririam novamente.