quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Poder: Tempestade Interna














A mulher caminhava sozinha pela estrada, os pés descalços sobre o asfalto frio, o olhar perdido em algum lugar entre o passado e o nada. Não sabia quem era, nem para onde ia. Apenas repetia em sua mente, como um eco insuportável:

“O que aconteceu comigo...?”

As nuvens acima se acumulavam pesadas, anunciando uma tempestade iminente. Um carro se aproximou, desacelerando quando o motorista notou a figura feminina no acostamento.

— Olha... uma mulher ali. — disse o homem, surpreso.
— Ela parece desorientada... — comentou a esposa. — Temos que ajudá-la.

O casal parou e abriu a porta do carro. A mulher subiu sem dizer uma palavra coerente, apenas murmurava, entre suspiros e olhos marejados:
— Eu os perdi... Eu os perdi...

O casal trocou olhares incertos.

— Ela deve estar em choque... — murmurou o homem.
— Vamos levá-la a um hospital. Eles saberão o que fazer.

A chuva começou a cair enquanto seguiam pela estrada. No hospital, entregaram a mulher à recepção, relatando o que viram.

— Encontramos essa moça vagando na estrada, parecia perdida... assustada.
— Faremos uma avaliação — respondeu a atendente.

Jesse — como descobriram mais tarde que se chamava — foi examinada. Nenhum sinal de lesão física. Nenhuma pista concreta. Mas algo nela... algo vibrava como um sussurro vindo do abismo.

Foi encaminhada para um hospital psiquiátrico. Os médicos não faziam ideia do que estavam acolhendo.

Jesse havia escapado de uma base militar ultra-secreta, onde passou boa parte da vida sendo submetida a experimentos. “Projeto Jesse”, chamavam. Era confidencial. Perigoso. Inumano.

Dias depois, uma psiquiatra experiente, doutora Anna, foi designada para assumir o caso.

— Obrigada pela carona, Tom — disse ela ao amigo que a deixou na entrada do hospital.
— De nada. Boa sorte com ela.

Na recepção, Anna perguntou:

— Vim acompanhar o caso Jesse. Em que quarto ela está?
— Quarto 415. Boa sorte, doutora.

Anna subiu. Quando abriu a porta do quarto, encontrou a garota sentada à janela, observando os galhos balançarem ao vento.

— Olá, Jesse. Esse é o seu nome, certo?

— Sim — respondeu a garota, sem tirar os olhos do céu cinzento. Em seguida, virou-se para encarar Anna com uma intensidade quase sobrenatural.

— Eu preciso sair daqui. Algo muito grave vai acontecer.

A voz dela era calma, mas carregava o peso de uma premonição. Do lado de fora, os pássaros cantavam, desavisados. Um vento morno cortava as árvores. Tudo parecia prestes a explodir.

— Me conte mais sobre isso, Jesse — pediu Anna, sentando-se com um bloco de notas no colo. — Disseram que você perdeu algo... que há perigo.

— Eu já disse tudo. Não posso dizer mais. Não vão entender — respondeu Jesse, desviando o olhar.

Anna anotava, observava, calculava. Mas havia algo em Jesse que ia além da razão. Ela parecia sentir o tempo mudar por dentro. Seus olhos vibravam. Ela não estava só desorientada — ela era um epicentro prestes a colapsar.

Subitamente, Jesse se levantou e segurou as mãos da doutora.

— Por favor... me tire daqui. Me leve para longe. Se eu ficar... algo horrível vai acontecer com todos.

Mas Anna hesitou. Havia protocolos. Regras. E, acima de tudo, medo. Medo do que Jesse era — ou do que poderia se tornar.

Mas como uma garota presa ali não conseguia simplesmente fugir? A resposta era simples: seus poderes vinham e iam como marés violentas. Incontroláveis. Misteriosos.

Antes de chegar à estrada, Jesse havia se escondido na mata. Lá, desesperada por ajuda, encontrou uma cabana isolada. Um homem rude a recebeu com um sorriso lascivo.

— Entre. Você parece cansada...

Jesse, trêmula, entrou.

— Me... me ajude... — sussurrou.

Mas ele a agarrou com brutalidade.

— Vamos, não faça isso difícil...

— Me solta! — gritou Jesse, com os olhos se enchendo de lágrimas e fúria.

O homem riu, puxando-a para dentro. Mal sabia o que despertava.

Naquele instante, algo explodiu dentro dela. Seus poderes despertaram em uma fúria silenciosa, invisível, mas letal.

A casa tremeu. Paredes se desfizeram como papel. Um grito abafado. Sangue. Estilhaços.

Quando a família do homem chegou, encontrou apenas ruínas carbonizadas, sangue espalhado e a sombra do que antes fora um lar. Jesse havia desaparecido, levada por um instinto que nem ela compreendia.

Agora, no hospital psiquiátrico, essa mesma força borbulhava dentro dela, pronta para romper. E o mundo, sem saber, estava prestes a conhecer o verdadeiro significado da palavra poder.

 

Após o incidente na casa, Jesse cambaleou para fora, os olhos marejados, o corpo tremendo. Vomitou ali mesmo, entre as folhas úmidas e a podridão do mato. Ainda desorientada, fugiu pela floresta sem saber para onde ia. Nada parecia feri-la fisicamente — mas por dentro, ela era só caos. Um fantasma assombrado por si mesma.

Eventualmente, seus passos a levaram até a estrada.

— Eu só quero sair daqui... não posso ficar... — murmurou Jesse, o olhar perdido em algum ponto do tempo que ainda não havia chegado. — Eu sinto... eu vejo... algo terrível vai acontecer. E será minha culpa.

— Como assim, algo terrível? — perguntou a doutora Anna, confusa.

O tempo passava e o presságio tornava-se cada vez mais real. Um desastre se aproximava, e Jesse, aquela jovem de aparência frágil, era o epicentro silencioso da tragédia iminente.

Ela era um experimento militar ultra-secreto. Um projeto de destruição ambulante.

O chamado Projeto Jesse fazia parte de uma iniciativa clandestina para criar armas humanas com habilidades paranormais. Era algo monstruoso, enterrado nos porões do mundo civilizado. Se a humanidade havia criado bombas nucleares, o próximo passo seria inevitável: seres humanos como armas conscientes.

Diversas nações cooperavam secretamente nesse tipo de desenvolvimento. Jesse era apenas uma entre muitos. Desde o nascimento, ela e outros como ela foram monitorados, treinados, estimulados — transformados. Tudo sob vigilância de cientistas que, por ironia amarga, incluíam os próprios pais de Jesse.

Com o tempo, seus poderes cresceram, e com eles veio a percepção ampliada. Jesse começou a ver o que ninguém via. Um dia, por falha no sistema, fugiu da base. Ainda que não fosse prisioneira no papel, vivia em cativeiro. Quando finalmente viu a luz do sol — verdadeira luz, não artificial — sentiu uma alegria crua, breve... antes de lembrar que estava sendo caçada.

Correu. E foi na estrada que um carro a atropelou.

O veículo explodiu.

Ela saiu ilesa.

Mais assustada do que nunca, começou a vagar, como um espectro, pela estrada.


Na Base Militar

— Ela é um risco inaceitável. Não controla seus poderes.
— Concordo. Precisamos encontrá-la antes que algo grave aconteça.
— Se não conseguirmos rastreá-la... só nos resta esperar um erro. E torcer para não ser catastrófico.


No hospital, Jesse estava deitada, observando o teto. Ela sabia que, se quisesse, poderia fugir. Mas seus dons eram instáveis, como explosões solares — vinham e iam. Uma arma que ainda não aprendera a atirar.

A noite caiu, estrelada, bela. Um contraste cruel.

Durante o sono, ela foi tragada por um pesadelo. Quando acordou, os lençóis estavam queimados. Lâmpadas piscavam. Objetos tremiam. Seu poder vazava pelas frestas da realidade.

Alarmado, o exército intensificou a caçada. A presença de Jesse começava a ser sentida no mundo real. O tempo se esgotava.

"Não estou conseguindo me controlar. Preciso sair daqui."

Então veio a explosão.

A porta do quarto foi arremessada contra a parede oposta. As janelas se estilhaçaram. Alarmes dispararam por todo o hospital. Enfermeiros correram. Quando chegaram, encontraram apenas destroços... e Jesse, de pé no meio deles, ilesa, com os olhos iluminados por uma energia estranha.

— Eu preciso sair daqui! Não consigo mais me controlar!

— Jesse, você não pode sair! — gritou uma enfermeira, em pânico.

Mas era tarde demais. Jesse avançou. Um gesto bastou para fazer a entrada do hospital explodir. Saiu correndo pela noite, um vendaval de medo e força.

— Jesse, volte! — gritou um dos enfermeiros, impotente.
— O que aconteceu aqui...? — murmurou um segurança, atônito.


Pela cidade, Jesse corria — deixando um rastro de destruição. A madrugada se dissolvia no alvorecer, e as pessoas, sonolentas, assistiam perplexas às sirenes, à fumaça e aos estrondos que ecoavam pelas ruas.

As autoridades foram acionadas. A polícia cercou o perímetro. Helicópteros começaram a sobrevoar a cidade. O caos não era mais contenível.

Na base militar, o alerta final foi dado.

— Mobilizem o exército. Agora.

A arma precisava ser recuperada. A qualquer custo.


Na Cidade

— Parada! Não se mexa! — gritou um policial, com arma em punho.

— Eu não posso me controlar! — gritou Jesse, os olhos tremendo. — É melhor vocês saírem daqui.

Eles não ouviram. As viaturas foram arremessadas como brinquedos. As balas ricocheteavam no ar ao redor dela, desviadas por uma força invisível. Jesse ergueu os braços e, com um salto, subiu trinta metros, pousando no alto de um edifício como uma ave do fim dos tempos.

— Atirem nela! — gritou alguém.

Mas nada a atingia.

Foi quando percebeu — ela podia voar.


O exército chegou. Tropas desembarcaram. Tanques avançaram pelas ruas. A cidade foi tomada.

E Jesse, ali no céu, não era mais uma garota com medo.

Era uma força que nenhum deles compreendia.

 

Enquanto isso, na base militar, todos observavam em silêncio. Uma sala escura, iluminada apenas pelos monitores. Jesse era monitorada como um alvo, não mais como uma jovem. Alguns cientistas estavam aflitos. As outras crianças e jovens, tranquilos — como se já soubessem o destino da garota. No rosto dos envolvidos no projeto, o desespero era evidente.

De todos aqui... Jesse foi a que mais se desenvolveu.
Tenho muito medo do que possa acontecer.
Não podemos fazer nada agora.
Estamos cometendo um erro ao encurralá-la... isso só vai fazê-la perder o controle de vez.

Lá fora, o caos se instalava. Sirenes uivavam. Pessoas corriam pelas ruas sem saber exatamente do que fugiam. O exército avançava sobre a cidade.

O plano era contê-la e trazê-la de volta. Mas já era tarde demais. A cada nova onda de pânico, os poderes de Jesse aumentavam. E ela... já não conseguia contê-los.


Um pelotão de soldados armados até os dentes recebeu a ordem mais temida: eliminar Jesse.

Eles entraram no prédio onde a garota havia sido vista. Subiram rápido, mas hesitantes. No andar superior, encontraram um corredor banhado por uma luz incomum, vibrante. A aura dela preenchia o ambiente como eletricidade viva.

Meu Deus... o que é isso? sussurrou um soldado, pálido.
Temos que detê-la! Atirem! ordenou o comandante.

As balas ricochetearam no ar como se atingissem um campo invisível. Jesse, imóvel, olhou para eles — e o olhar bastou. Uma explosão súbita lançou os soldados pelas janelas, corpos voando por mais de trinta metros.

Jesse, levada pelo próprio impacto, atravessou a vidraça e caiu, planando, no topo de outro edifício.

Caças a jato a localizaram imediatamente. Dispararam. Atingida, Jesse despencou, cabeça para baixo, mas antes de tocar o solo... pairou. Flutuou como se o mundo tivesse perdido a gravidade.

Rapidamente, foi cercada. Tropas, tanques, helicópteros. Ela estava completamente encurralada.

O ar pesava. O céu escurecia. Nuvens negras se formavam como se o universo respondesse ao que estava prestes a acontecer.

Do alto, dois A-10 rasgaram o céu, lançando bombas sobre Jesse. Uma nuvem densa de poeira envolveu tudo. Quando ela se dissipou, Jesse ainda estava lá.

Nenhum efeito... murmurou um soldado no rádio, com os olhos arregalados.
Não temos como capturá-la com vida respondeu outro Atirem. Agora.


E no coração da cidade, sob um céu eletrificado, Jesse fechou os olhos.

Seu poder, pulsando dentro dela como um vulcão prestes a romper, rompeu a última barreira. O chão sob seus pés rachou. Um brilho insano emanava de seu corpo, tingindo o mundo de luz pura.

Silêncio absoluto.

E então, com um grito primal, Jesse explodiu.

Uma onda de energia de proporções cósmicas irrompeu de seu corpo. O clarão foi tão intenso que o dia se transformou em sol artificial. Em segundos, a cidade foi engolida. Prédios torceram suas estruturas antes de desintegrar. Carros voaram. Asfalto se abriu em fendas. O céu se rasgou com uma explosão sonora que ecoaria por gerações.

Onde antes havia uma cidade viva, restava agora apenas um deserto de fumaça, escombros... e um cogumelo de poeira subindo aos céus.


No centro daquela cratera colossal, Jesse emergia.

Sozinha. Queimada por dentro, mas intacta. Seus olhos ainda brilhavam com o resto do poder que havia devastado tudo. Em silêncio, ela olhou ao redor.

E então, caiu em si.

Eu... causei tudo isso... Não consegui me controlar... não consegui... conter... disse com a voz embargada.

O mundo em ruínas. O céu, escurecido. O solo, rachado. Nada restava senão cinzas.

E de repente, uma coluna de luz subiu ao céu, envolvendo Jesse. Tudo ao redor foi brevemente arrastado em direção ao epicentro. E então... ela desapareceu.


No Vale

Jesse despertou em um lugar completamente diferente.

Montanhas elevadas. Céu azul puro. Riachos límpidos correndo entre as pedras. Um vale intacto, onde a natureza ainda respirava com paz.

Ali, sozinha, chorou.

O peso da culpa esmagava seu coração. Mas com o tempo, a dor deu lugar à introspecção. Em silêncio, observando a vida à sua volta — animais, flores, vento — Jesse começou a compreender.

Meditou.

E aprendeu.

Com o tempo, dominou seus poderes. Conectou-se à essência da vida. Percebeu que podia ser mais do que um experimento. Podia ser... esperança.


Algum Tempo Depois

Jesse emergiu do vale, renovada.

Com os olhos serenos e o coração pacificado, agora entendia o valor da vida. Estava pronta para usá-los — não para destruir, mas para proteger. Para ajudar. Para evitar que outros passassem pelo mesmo horror.

Porque, no fim, Jesse não era apenas uma arma.
Ela era a chance de redenção de um mundo que brincou de ser Deus.
E agora...
Ela havia despertado.


Caixa de Recordações

A que pegue 
enquanto os
passarinhos
voam.

A tarde se
dissipa
enquanto
o sol se põe.

Uma caixa
antiga, antigas
recordações.
Um horizonte
para
comtemplar.

E tudo mais
para me lembrar.
Venho sempre
aqui recordar. – Tiago Amaral





Vida Bela

Vida da janela
te vejo mais
bela.
Nessa hora
a tristeza se
ausenta.

O tempo que
passou.
Tanta coisa
que mudou.
A sim fico na
espera.

Do dia me trazer
um bom dia.
Vida da janela
te vejo mais
bela.

Te sinto tão
bela, me sinto
tão só, mas fez-se
alegria esse lindo
dia. – Tiago Amaral 



terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Sobre O Jardim

Rosas
também
morrem.
Folhas que
se perdem
no vento
da tarde.

Um dia de
chuva.
Uma manhã
cinzenta.
Uma saudade
distinta.

A tarde se 
esvai como
o fim de cada
estação que
chega ao seu
final.

Lembranças
de uma tarde.
Chuva de 
primavera.
O céu chorava
sobre o jardim. – Tiago Amaral