sábado, 11 de julho de 2020

A Criatura















Por Tiago Amaral - versão editada

Era uma figura estranha — alta, de pele escura, pernas alongadas e dedos finos como raízes retorcidas. Seus braços, desproporcionalmente longos, moviam-se com leveza, como se pertencessem a um mundo em que o movimento obedecesse a outras leis. Imaginei que vinha de um planeta denso de árvores gigantes, onde braços assim fossem uma necessidade e não uma aberração.

Sua face era incomum, quase assustadora — não por feiura, mas pela absoluta ausência de familiaridade. Ainda assim, algo nela transmitia uma doçura inesperada. Por que, afinal, teria me salvado? Eu, um ser miserável, insignificante diante da vastidão cósmica? Apenas mais um homo sapiens, uma espécie falha, violenta e barulhenta, em um universo repleto de consciências superiores.

Era um dia quente. O sol queimava alto, e eu me refugiara na sombra de uma velha mangueira carregada de frutos maduros. Subi em seus galhos grossos buscando brisa e doce. Não esperava, é claro, o que viria a seguir.

A queda foi brusca. Um galho seco, um passo em falso — e então, o chão. O impacto me deixou paralisado. Meus membros, imóveis. Apenas meus olhos se mexiam. E foi ali, imobilizado na poeira, que o vi.

A criatura estava logo abaixo de mim. Alta como um poste, e seus olhos brilhavam com um dourado tênue, como se condensassem a luz do próprio sol. E daquele brilho emanava... calor. Não físico, mas espiritual. Era como ser tocado pela compaixão.

Olhei para cima, para os galhos que haviam me sustentado. O céu permanecia azul, inalterado. O tempo parecia parado. A criatura se aproximou em silêncio, e mesmo naquela situação, eu não sentia medo. Ao contrário: sentia uma paz absurda, quase perturbadora. Não havia ódio ali. Nem julgamento. Apenas... presença.

A criatura estendeu a mão — longa, escura, luminosa. Toquei-a com os olhos, pois mais nada em mim se movia. E então, um milagre sussurrou em meus ossos quebrados. Senti os nervos pulsarem novamente. Os membros, antes inúteis, voltaram à vida. Era como mágica, ou ciência avançada demais para eu compreender.

Atrás dele, no céu, surgiu uma esfera luminosa. Um objeto voador silencioso, dourado por dentro. Pelas janelas pequenas e arredondadas, vi sombras se moverem. Outros como ele.

Eu me levantei. Minhas palavras vacilaram nos lábios. O que se diz a um ser assim? Que tipo de gratidão basta? Ainda assim, murmurei:

— Obrigado.

Ele inclinou a cabeça. Seus olhos, agora oscilando entre dourado e azul, brilharam suavemente. E ele respondeu, em uma língua que tocou mais minha alma do que meus ouvidos:

Shor da chi narratir anunari.

Não entendi. Mas compreendi. Era um adeus. Um voto. Ou talvez... uma promessa.

Ele colocou uma das mãos sobre minha cabeça. Houve luz. Tanta luz que o mundo desapareceu por um instante. Quando voltei a mim, ele caminhava em direção à esfera flutuante.

A nave ergueu-se, silenciosa, até pairar sobre o milharal vizinho. Um feixe de luz desceu do casco e tocou o campo. E então, com a velocidade dos deuses, sumiu no céu.

Ao caminhar até o milharal, encontrei algo que jamais esquecerei: um símbolo, queimado no solo, vasto e incompreensível — como um idioma escrito pelos próprios astros. E naquele instante, soube. O que quer que fosse aquilo, significava:

“Voltaremos.”

Mas não seria uma simples visita.




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